sexta-feira, 8 de junho de 2007

O Pós–Fim ou The end de plástico


Ela se foi enxugando as lágrimas. A incerteza em sua bagagem não era mais que um peso extra que nos últimos meses se acostumara a carregar. Uma vez ou outra, tentara se livrar como quem coloca o lixo na rua em dia e hora marcados, mas sempre perdia o momento.

Neste fim de semana não fora diferente, mais uma vez tentou descarregar a incerteza que pesava sobre seus ombros. Ele a amaria o bastante? A desejaria mais que às outras? Existiriam outras? Essas são as questões que se colocavam teimosamente a qualquer momento. Durante uma transa, diante da TV, vasculhando a Internet (quanta tecnologia fácil!), não obtinha as respostas desejadas e a noite anterior fora perfurada por sua voraz inquisição como extensão natural dos jogos de salão que insistiam em jogar, ainda que fossem enfadonhos. Truco, dominó, pife-pafe, Ela ganhou todas as disputas, mas não estivera contente, pois seu jogo mais quente não obtivera o resultado desejado: desestabilizar o interlocutor, quebrar suas convicções, desmascará-lo, desfigurá-lo, enquadrá-lo.

Ele há tempos dizia ter deixado de acreditar nos padrões estéticos vendidos com margarina nos comerciais da TV (Será de plasma? Tão pequena!). O amor, a família, a vida eram conceitos e valores para serem sempre reinventados, pois assim como eram apresentados e deglutidos, tinham gosto de sabão em pó. Por isso qualquer resposta que cogitasse dar às inquietações dela, em particular nos momentos de pressão, não eram mentiras e também não traziam a áurea da verdade.

Ele sabia que as relações humanas se baseiam em palavras e essas podem assumir significados distintos. Essa informação fundamental colhera durante a adolescência lendo filósofos que não entendia muito bem, mas que deixaram fragmentos de idéias em sua memória, as quais usava como podia. Assim, amar para uns pode querer dizer cerveja e para outros, tempero industrializado. Qual seria o significado da palavra amor para Ele? Como tornar visível e palpável? Ela entenderia da mesma forma que Ele? Deveria usar o sorriso/máscara da pasta de dentes para deixar as coisas claras?

Ela interrompe sua vida amorosa com suas dúvidas como os intervalos comerciais cortam filmes românticos na TV (queria uma dessas em cada lugar! hummm). Cada vez mais um novo intervalo, por tempo indeterminado, suspende o fluxo da história de amor. Fosse uma novela essas interrupções não provocariam tanta angustia, pois sempre existirão as cenas dos próximos capítulos. Mas que um filme tem que ter um fim. Teria esse um final feliz?

A cada parada para balaço da história dos dois Ele se contorcia, com a repetição desse ritual começara a desconfiar que os “comerciais” faziam parte do filme como em “Os ladrões de Sabonetes”. Acostumado a pensar que podia inventar sua vida de forma independente, livre dos padrões vigentes, sabia que sua criatividade estava em cheque. Ele necessitava criar, Ela o inspirava, mas não reconhecia sua obra, esta simplesmente não exprimia o que necessitavam: ouvir palavras sintéticas e ver cenas em replay.

O filme recomeça e eles são os únicos espectadores. Ela está de volta e é já o epílogo história, momento tradicional herdado da antiga tragédia grega. O coro diante das fatalidades do enredo proclama sua última lição moralizante para a doutrinação de quem assiste. Ambos torcem para que o final não seja trágico. Ambos querem um final feliz? Qual?

Ela deseja saber o quanto e como é amada a todo o momento, expressão dada apenas por uma palavra, ou um gesto copiado do filme, ou os dois.

Ele deseja continuar acreditando que pode inventar novas formas de expressar seus sentimentos. Vaidoso, buscava algo de autêntico para si (esse filme já passou?).

A tensão vai ao máximo, os espectadores sofrem a catarse. Fim da exibição. E serão felizes para sempre, ainda que estejam proibidos de saber o que acontece depois do THE END. A sessão da tarde tem seus limites, isto é certo. Ele e Ela terão de tomar de assalto o direito de inventarem novas cenas, as quais serão certamente censuradas - a insistência é obscena.

Reclames tentam vender seus produtos: a família feliz oferece a paz analgésica; o casal moderno oferece a vodka orgásmica; grupos felizes e inteligentes revelam a verdade absoluta da revista semanal...

(O mais puro amor, ai, ai!)

(Ora, ora! A felicidade é para todos, não é?!)

ELE e ELA têm o seu quinhão enquanto transam no banco de traz, do carro último tipo, estacionado no saguão do shopping. No pós–fim se ocupam em testar o conforto dos bancos de couro. Assim poderão saber se vale à pena concorrer à promoção do dias dos namorados.

Um comentário:

Nelson Galvão disse...

Muito longo. Não vale um comentário curto.