quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

beber com chinaski


só vim curtir um som
beber com chinaski
todas as letras minúsculas da vida
um cigarro apagado entre os dentes
que mordem nervosos
porque é o último
e o melhor tem que ficar pro fim
mesmo que o fim seja sempre
agora
dizem que eu tenho esperanças
agora
dizem que eram apenas máscaras
só agora
dizem tudo isso
mas eu nunca disse que era o contrário
nem que era nada
mas era nada
bebo um gole mais com chinaski
e ele fica imóvel
eternamente soltando a fumaça do cigarro aceso
na fotografia do livro que comprei dum velho numa banca velha no centro velho e mais atual que nunca do centro da cidade
o fôlego aperta
um gole a mais
são os pulmões reclamando
percebo um sorriso jocoso na fotografia
é o chinaski tirando sarro
mas o cigarro continuará apagado
enquanto eu não termino de escrever

Uma do velho.

(Porra! A merda do teclado falhou!)
J[a que o Narco n'ao vem ao Prophanos, algum prophano vai at[e o fotolog do corno e traz uma poesia do padrinho?

noite de Natal, sozinho
noite de Natal, sozinho.
num quarto de motel
junto à costa
perto do Pacífico -
ouviu?

eles tentaram fazer desse lugar algo
espanhol, há
tapeçarias e lâmpadas. e
o banheiro é limpo, há
minibarras de sabonete
rosa.

não nos encontramos por
aqui:
as piranhas ou as damas ou
os alcolatras ou os
adoradores de ídolos.

lá na cidade
eles estão bêbados e em pânico
furando sinais vermelhos
arrrebentando suas cabeças
em homenagem ao nascimento de
Cristo, e isso é ótimo

em breve terei terminado esta garrafa de
rum porto-riquenho.
pela manhã vomitarei e tomarei
banho, voltarei para
casa, comerei um sanduíche à uma da tarde
estarei no meu quarto por volta das
duas,
estirado na cama,
esperando o telefone tocar,
sem responder,
meu feriado é uma
evasão,
minha razão não é.


Charles Bukowski - noite de Natal, sozinho

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

"O livro" e outros textos, meus e não-meus

Humm... antes isso que a insônia... será?


O Livro

É nisto que o homem pensa, deitado em sua cama, virando as páginas do livro que não lê: a dinâmica dos dias, tudo sempre tão perto, tão longe.

Tudo tão rápido.

Aproximação e afastamento. O desejo daquela mão acariciando os cabelos, mas que não há mais no próximo momento. Ou há. Ou não se admite isto. O que acontece com estas pessoas?

Assim, há de passar desejo após desejo, cada vez menos intensos, cada vez menos belos. Porque há algo de belo em pessoas apaixonadas, assim como há algo de belo em pessoas tristes.

Tenebroso, este mundo. Cinza demais para quaisquer olhos. Só a metrópole, assassinando sonhos. Só a metrópole.

Só, o homem não percebe, mas já dorme. E com um movimento involuntário de mão, fecha o caderno em que escreverá seu próximo livro.

Bom, a verdade é que acordei cedo demais para o meu padrão recente. Não que eu devesse reclamar. A maioria das pessoas... bem, o comentário é dispensável e tudo que quero é ficar de bem com o dia.

Mas já que falei em insônia lááááá no comecinho do post, encontrei pela manhã essa breve lucubração do Sr. Ramón Alcântara:

Insônia Existencial

não dormi

e não acordei
de olhos abertos
meu pesadelo só eu sei

Então senti-me inclinado a respondê-lo e aconteceu isto:

acordar de um pesadelo a cada manhã
acordar para um pesadelo a cada...
acordar num pesadelo e ainda

ter poesia

quem me dera simplesmente bastasse!

Querem saber? Vou fazer o dia ser útil a mim.

E, sim, devo voltar aqui pra postar outros textos não-meus.

Beijos e abraços prophanos!

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Aluir


O mundo é ridículo. Mas desta vez é sério, eu vi na televisão!

Enquanto vivemos, inventamos, sim, prolixidade e pleonasmos. Enquanto continuamos, estacionamos engarrafamentos que sirvam aos pedágios ambulantes e inconstantes. Pagamos o preço que a civilidade exige para financiar nossas frustrações. Nas escolas, ensinamos o verbo errado e depois lucramos com manuais plásticos de conjugações ou livros de auto ajuda para iludir. Para aluir. Nossa moral não é senão argumento de venda para que compremos e paguemos em dia todos os nossos pecados. Nossos equívocos fingem que estão apenas justificando a regra. Nossos sorrisos, premeditando o choro que premedita outros sorrisos. Nosso silêncio, apenas abrindo espaço para o caos... na verdade, abrindo as pernas para o que julgamos normal. Ele apenas alimenta com migalhas o garoto que morrerá por fome de qualquer jeito; alimenta nossa raiva e mais ainda nosso cú, que a engloba; alimenta nosso insaciado tesão, que exemplo melhor?

Enfim, que seja. Não são novidades. Também fiquemos em paz, assim como as crianças que fingem ainda não terem entendido nada disso.

domingo, 9 de dezembro de 2007

ignobile


Quando vejo fotografias antigas, e nelas vejo crianças, penso no que se transformaram e perco a vontade de ter filhos. São ignóbeis as crianças, quando adultas. Tanto faz o que significa ignóbil, elas crescem e não aprendem mesmo. E se aprendem, são insuportaveis.

Quando vejo fotografias recentes, e nelas vejo crianças, penso por um ou dois segundos que poderia das uma chance à esperança. Mas no terceiro segundo me lembro que a esperança não passa de uma puta.

Quando vejo no espelho toda aquela coisa, penso no que significa tudo aquilo; no que significamos. É inútil. Ignóbil. Estamos apenas nos divertindo com migalhas.

Que as crianças fiquem em paz.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

República do vazio lírico


República do Vazio Lírico

votam impostos

e as crianças têm de sair às ruas
vendem doces e salgados para poder comer
o pai não trabalha mais

o homem de terno e gravata tão empreendedor, tão orgulho-da-mamãe, não vê
nem mesmo eu (me) vejo, às vezes

há distribuição de presentes no morro
mais uns a distribuir balas em algum lugar

em qualquer lugar

ninguém com alma e
com tempo
para sentir a vida e
saber que pode ser diferente


carnaval, novela, futebol...
o transporte lotado, o sol na cabeça...
o sorriso sem dentes no eme-esse-ene
o breve flerte no barzinho
vão sortear a mega-sena
temo que meu amigo ganhe e acabe assassinado
pela esposa


lugares comuns...

lugar comum, minha queixa também
a poesia (contida aqui?) não vai mudar o mundo

e, pelo meu, já fez o que pôde
mas no final, nada sobra

talvez as palavras perdidas em folhas amarelas
ou lugares que ninguém visita

um limiar nos alcança
a barreira do suportável já é bem clara


quem enxerga?

a terra será vermelha mais uma vez
e ninguém poderá chorar
porque o que poderia ter sido feito
não foi

este é o nosso lugar
de belezas descomunais

de todas as cores do arco-íris

esta é a nossa bandeira
a ser hasteada a meio-pau

esta é a nossa república do vazio lírico


Beijos e abraços prophanos ao povo brasileiro!

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Ele sonhava

Um breve conto com sabor de poesia, ou uma breve poesia com cara de prosa. De guitarras imaginárias.


Ele Sonhava

Pegou sua guitarra e fez o som de sua vida.


Pegou a guitarra e fez o som. E foi agressivo, ao modo de seus ídolos de capa de revista.

Foi o tal.

Num palco de brinquedo para um público de sonho. Lotou estádios, vendeu discos. Os outros meninos, que vieram depois, copiaram-no.

E repassavam os mp3 entre si.


Depois, era ele mesmo nas capas de revista e nos sites descolados.

O tempo passou e ele virou lenda. Mas não sabia um fá...


Ele sonhava!


Beijos e abraços prophanos!

Baseado neste som aqui:

Megadeth - Train of Consequences


Nossa, fazia tempo que não escutava isso... eh eh eh!

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Fechando a Augusta. (relato instantâneo)


Estou aqui ainda.

Agora pouco, estava ali, no Charm, tomando uma cerveja, esperando o comércio abrir mais pra baixo. Ouvia "Master of Puppets" do Metallica. Sossegado, aenas deixando o tempo passar.

De repente veio uma, duas, três, umas quinze viaturas. Da PM, do GOE, e de outros lances que não reconheci. Achei estranho, tudo bem. Mas depois vieram mais outras quinze. Depois dez. Depois dez. E mais dez. Chutando baixo, acho que foram umas setenta viaturas descendo a Agusta. Fiquei até com receio de descer, mas desci.

Na descida apareciam algumas viaturas subindo, que logo faziam a volta e desciam. Vai lá saber...

Mais pra baixo, todas elas encostadas nos puteiros que todos já conhecem ou já ouviram falar. Os polícias pra fora do carro. Uns rindo, outros com caras de sérios.

Nunca vi tanta polícia junta no mesmo lugar! Na mesma rua. Muito menos na Augusta.

Tanto faz. Ainda estão lá. Não importa. Acho que consigo chegar ao Gruta.

Queria estar apto a desenvolver minha escrita de uma forma melhor, agora. Mas fica assim.

Tenho três hipóteses:

1: A Augusta apareceu no Jornal Nacional e tinha um filho ou uma filha de algum importante político brasileiro; vieram todos os milicas querendo aparecer na televisão, igual naquele caso da Daslú.

2: Algum chinês do cacete estava faturando bilhões contrabandeando e vendendo artigos ilegais (é claro, se é contrabando...) por aqui. (Mas acho que essa é a hipótese menos verossímel...)

3: Os caras estão fazendo a festa de final de ano, apenas. E decidiram curtir a noite nos botecos e puteiros da dita cuja Augusta, só isso. O alarde é por preconceito.

Bom, queria que estivessem aqui. É até engraçado! Os caras só desceram e encostaram nos puteiros, mais nada!

É só isso.

O HOMEM QUE FOI PARA A GUERRA

Acordou as 7 em ponto e como fazia todos os dias, primeiro foi até o banheiro, lavou o rosto, refez a barba que não tinha ficado totalmente aparada na noite anterior, andava crescendo rápido e era melhor se precaver. Voltou para o quarto, vestiu a farda, engraxou e calçou o coturno reluzente com as marcas de outras batalhas. E quantas batalhas teriam sido? Não conseguia se lembrar de todas. Certamente centenas. Talvez muito mais. A cabeça rodava um pouco. Foi até o banheiro e cheirou duas carreiras de cocaína, cocaína da boa, quase pura e foram duas carreiras bem servidas. Foi até o armário. Apanhou o fuzil, conferiu a munição no carregador, vinte ao todo. Mexeu num estojinho de madeira, pegou mais, uma porção, duas mãos cheias, meteu tudo no bolso lateral da calça. Depois conferiu a pistola, tudo certo com ela também. Carregadíssima. Ah, esses bastardos. Esses filhos da puta. Hoje ele não tava pra brincadeiras. E talvez também por isso, desceu até a cozinha e apanhou o velho taco de beisebol que ficava debaixo da mesa da sala de estar, fazia tempo que ele não usava, e sua esposa vivia falando sobre a inutilidade daquele troço, entretanto, ele pensou, seria útil, sobretudo com os moleques. Ah, esses moleques malditos. Bateria em suas cabeças bestas como se fossem bolas de... de? de - de beisebol....isso, bolas de beisebol, bateria naquelas cabeças de merda como se fossem umas porcarias de bolas de beisebol. Saiu.Lá fora o dia era idêntico ao anterior, a mesma casa de bosta parcelada e quase quitada, a mesma vizinhança de bosta no mesmo bairro de bosta da mesma cidade de bosta e assim consecutivamente, seguindo num ciclo quase infinito, por caminhos repletos de inimigos à sua espreita, todos esperando com seus fuzis e suas idéias de morte, vingança e violência. Queria esmagar todos, um por um. Acendeu um cigarro porque contos em que o personagem principal não acende um cigarro não tem lá muita graça, muito charme, talvez. Seguiu em frente, até a garagem. Entrou no tanque. Conferiu os botões, tudo certo – então deu a partida e as imensas portas de ferro com alarme-eletro-choque abriram-se num silêncio que em nada parecia com o seu barulho interior. Foi pela mesma rua de bosta de sempre. Com seu tanque imenso esmagando carros, pessoas e carrinhos de bebês. Esmagou homens entrincheirados, espiões, pára-quedistas que caiam a sua frente. Esmagou meninas em roda, cachorros, outros tanques, carrinhos de cachorro quente e três freiras que tentavam atravessar a avenida.Chegou no seu destino ileso. Não fora preciso disparar um só tiro de fuzil ou de pistola. Nenhum tiro com o seu tanque de guerra, exceto dois, em dois filhos da puta que tentaram atravessar a rua no momento exato em que ele ia passando. Filhos da puta. Filhos da puta. Filhos da puta. Estavam agora esmagados feitos pombos no asfalto. Grande merda. Fim da viagem.Novamente conferiu os botões. Desligou o tanque. Deu uma conferida para ver como estavam as coisas lá fora. Aparentemente tudo tranqüilo. Apanhou novamente o fuzil e o taco de beisebol. A pistola já estava junto ao corpo. Correu abaixado, escondendo-se atrás de um muro em frangalhos. As 7:45 deu aquele mesmo sorriso de criança para o porteiro sem dentes. O porteiro não era um inimigo. Apertou o botão do elevador e quando entrou apertou outro botão. Até o décimo sexto andar, no escritório de arquitetura e urbanismo, onde trabalhava. Pensou no longo dia que teria pela frente, outras batalhas, e então sua cabeça rodou novamente.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

No contenido

É, pessoal... o cotidiano, este cotidiano... pra quem será?



No Contenido

temor de deixar de ser quem é
a aproximação do lugar comum
do deixar-se levar pela mão
a armadilha pronta
quando cessa a última força


a última?

não, não permitirá

há muitas cores para apenas um pacote de 100 gramas
sons demais para somente um litro
e sensações que não devem escoar pia abaixo

Ufa... fazia tempo, não?

Bom, logo voltarei com mais! Beijos e abraços prophanos!

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

O mundo é feito de drops.


(deixaria aqui uma definição do que imagino ser “drops”; para isso contei com a internet, o google, dicionários... nenhum deles me satisfez; qualquer dia elaboro essa definição e deixo na wikipedia (http://pt.wikipedia.org/); enquanto isso, espero que vocês entendam o que quero dizer com essa palavra; células, pedaços, partes integrantes de um mesmo todo)

O mundo são drops que, observados de longe ou sem atenção, não denunciam nenhuma espécie de relação uns com os outros.



Evelyn está calma. Lembra dos nomes de sua infância. Tenta lembrar os de todos que cruzaram seu caminho, mas não tem certeza. É quinta-feira, são quase dezenove horas. Os empregados da empresa se juntam a outros empregados de outras empresas e fazem a sua happy hour. Evelyn não. Ela prefere encostar a cabeça no vidro da janela do ônibus e observar o chão passando, enquanto lembra dos nomes de sua infância. Tenta recordar quando foi que perdeu cada um deles, quando foi que ficaram para trás. Espera adormecer enquanto tenta enumerar quantos passaram, mas não tem certeza. Não tem certeza sobre os nomes. O sono, sim, é certo.



Qual daqueles goles foi o decisivo naquela noite, ninguém sabe ao certo. O que se sabe, porque se viu, é que o Bruno cedeu. Baque. Uns teorizavam que o som alto da boate influenciava os ânimos e o estômago do rapaz. Outros afirmavam que era o excesso de absinto mesmo. O Bruno tentava enganar que estava bem, mas ninguém acreditava e o copo ficou escondido embaixo da mesa. Seria devolvido quando a criatura melhorasse. Todos riam e o Bruno ia pra pista. Todos riam e o Bruno ia pra pista mandar mais uma. Todos riam e o Bruno pedia pra mandar mais uma dança. Todos cansaram de rir e o Bruno melhorou com a dança. O copo voltou às mãos de seu proprietário. Começou, tem que terminar! Era mais que um lema entre eles, era uma obrigação moral. Evitava desperdícios. Os outros se sentiam menos bêbados olhando para o Bruno, e eles gostavam disso. O Bruno nem ligava e continuava mandando no absinto. A sensação de uns e do outro não valia de nada. Quando saíram, pareciam todos o mesmo tipo de verme, subjugados à luz e ao calor do sol de uma manhã de sexta-feira.



O prefeito moralista, pelo que me lembro, começou tímido. Deu continuidade às decisões de seu antecessor. Mas, se não me engano, foi por pouco tempo. Logo quis limpar as fachadas; as fachadas foram limpas ou multadas. Ele não apareceu quando os camelôs foram arrastados para fora de nosso pedaço de chão. Mas quis socar com os próprios punhos o manifestante solitário que atrapalhava a inauguração de mais uma pequena obra, a inauguração de mais um “cala a boca!”. “Vagabundo!”, ele gritou para um homem que apenas reclamava saúde. Depois, quando um avião atingiu um prédio comercial e centenas de pessoas morreram – tragédia já anunciada e esperada há tempos – o prefeito moralista deu um jeito de colocar a culpa no proprietário de uma das maiores boates de luxo do país. A boate foi fechada, o proprietário preso. E por aí vai...

Sei que é uma história ingênua. Que poderia ser revista centenas de vezes. Mas ela serve apenas como introdução. É que outro dia perguntaram ao prefeito moralista:

- Senhor Prefeito Moralista, todos sabem que o Senhor cultiva, zela e faz todo o possível para que a moral de nossa sociedade não se perca; para que sejamos um povo íntegro e sem nenhuma mácula de qualquer tipo de subversão ou sacrilégio à nossa valiosíssima... moral.
- Sim, claro.
- Por que, então, depois de tantos feitos e esforços em tal sentido, o Senhor ainda permite que aconteçam todos esses eventos que denigrem a imagem desta sociedade, onde nossos jovens bebem, fumam, usam drogas e praticam o amor livre?; e que acontecem, esses eventos, em estabelecimentos comerciais que, se fechados, a falta de suas receitas poderia muito bem ser superada pela implantação de algum novo imposto; e que todos sabemos muito bem quais são esses estabelecimentos dos quais falo, onde ficam e como funcionam?
- Caro Conselheiro, deixe os jovens quietos, onde estão. Acredite, se não estivessem bebendo e fumando e usando drogas e praticando o amor livre, com certeza estariam lutando contra nosso e qualquer governo. Tomemos conta de nossos filhos, sim?
- Ah, tá! Ainda não tinha me atentado dessa forma à questão.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A LENDA DA KOMBI BRANCA

Na manhã do dia 2 de dezembro de 1969, uma Kombi branca, com placa do Tenesse, lotada de hippies chapados de maconha seguia pela Route 66, rumo a Altamont, na Califórnia, onde os Stones se apresentariam quatro dias depois. Em determinado ponto do caminho, porém, pegaram uma estrada transversal e seguiram em direção ao sul e foram parar no estado do Arizona. Ninguém sabe se por distração ou por chapação, ou pelas duas coisas juntas. Acontece que nenhum dos ocupantes do veículo deu conta do erro e quando viram estavam na beira do Grand Canyon. Pararam de dedilhar suas canções naquelas guitarras desafinadas e desceram aturdidos para ver o que era aquilo. As meninas, quatro ao todo, com flores no cabelo, deram as mãos e começaram a cantar um antigo poema indígena, um dos hippies, que por sinal era bem parecido com um índio apache, acendeu outro cigarro de maconha e chaparam todos enquanto o sol descia por detrás daquelas imensas paredes de Canyons.- Então Altamont é um Canyon – um deles falou depois.
- Sóóóóóóó......e fomos os primeiros à chegar – outro comentou.
- Passa a bola – alguém disse.
- Saca só o sol.
- Maneiro.
- Nem os Stones chegaram ainda.
E seguiram nessa conversa, por horas a fio. De noite, fizeram uma fogueira ao lado da Kombi e continuaram cantando suas canções naquelas guitarras desafinadas – SE VOCÊ ESTIVER INDO PARA SÃO FRANCISCO, DEIXE-ME COLOCAR ALGUMAS FLORES NO SEU CABELO – e esse tipo de coisa. Volta e meia, as meninas faziam uma nova roda e então cantavam uma canção folclórica qualquer.
- Vamos colher umas flores – uma delas propôs.
- Vamos tomar um banho naquele rio – a outra apontou para o precipício.
- Deve ter uma cachoeira em algum lugar por aqui.
- Passa a bola.
- Cadê os Stones?
- Ei, cadê todo mundo?
Dizem que os hippies continuam naquele canto desértico do Arizona até hoje, esperando pela apresentação dos Stones. Há quem afirme ter-los visto no Google Earth, mas isso é coisa difícil de acreditar. O mais provável é que naquele lugar tenha surgido uma comunidade alternativa vegetariana anarquista, vai saber. Ninguém sabe também como essa lenda surgiu, se algum dos ocupantes da Kombi abandonou o deserto, cansado de esperar tanto tempo pelos Stones ou se a estória não passa de invenção. O fato é que em quase todo o sul dos Estados Unidos corre a lenda de que se uma Kombi branca lotada de hippies chapados de maconha cruzar o seu caminho, não importa o dia ou a hora – você estará perdido ou eles estarão perdidos ou as duas coisas juntas. Quem é que vai saber?

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Complexo




Os dois entraram.
Se encontraram numa festa, num bar.
Ela já estava bêbada.
Ele ainda estava bêbado.

- Nossa! Que apê bacana você mora!
- É alugado.
- Mas é bacana!
- Pois é.

Ela explorava todo o apartamento.








- Nossa! Tem até bidê!
- Está quebrado.
- Ah! Eu mandaria arrumar!
- Eu não preciso disso.
- Ah! mas mesmo assim. Vai que você encontra alguém e traz pra cá, igual hoje...

Ele não precisava daquilo. Ela sentou-se na mesa da cozinha, era pequena. Acendeu um cigarro.

- Hoje é feriado, não é?
- Hoje é domingo.
- Mas mesmo assim, é feriado. Do que que é mesmo, hein? E hoje não é domingo, é sábado.
- Já é domingo.
- Ah! Eu só considero que o dia passou depois que eu durmo.

Ele não disse nada, não precisava daquilo. Foi até a geladeira e trouxe uma garrafa de cerveja até a pia.

- Cuidado com essa faca! Você não tem um abridor?
- Tenho essa faca.
- Você perdeu o abridor?
- Tenho essa faca.
- Cuidado!

Ele não precisava daquilo.

- Vou até o bar. Não tem cerveja.
- Como não tem? Você acabou de abrir uma!
- Pois, é. Não tem. Já volto. Não mexe em nada.
- Se quiser pode ir com o meu carro!

Ele foi até a sala, pegou as chaves do carro na mesinha e tentou abrir a porta com elas.

- Pegou as chaves do carro?

Ele não ouvia. Não precisava daquilo. Voltou até a mesinha, jogou as chaves do carro e pegou as da porta.

- Não demora!
- Não mexe em nada.
- Tá bom, tá bom! Já sei!

Ele chamou o elevador, uma eternidade, mas ele gostava do vento frio que a porta soprava pela janelinha. Não conseguia completar nenhum raciocínio. Não sabia o que era bom ou mal pra sua vida. Sabia apenas do que era desnecessário e do que não era.


Não ficava perto o bar no qual ele tinha uma conta pendurada, mas um carro não era necessário. Era um bairro escuro, quase feio. Nas madrugadas pequenos botecos ficavam acesos durante o caminho e, em volta deles, como mariposas, homens feios e mal encarados encaravam feio qualquer homem que passasse. Queriam preservar seu território. Olhavam como quem olha uma barata no canto da cozinha, dando um tempo pra ela se calar e se esconder. Se demora muito ou não se cala, eles esmagam.

“Fiado de novo?”, gritou o dono do bar, reclamando.

- Fiado não. Tem minha conta aí, você não sabe?
- É claro que sei! Eu que fui o luco que abri essa conta pra você!
- Não se preocupa, dia cinco está chegando.
- Hoje é dia vinte e um!
- Está chegando, a cada segundo.
- Vai, filósofo! Vou aliviar pra você porque você paga em dia. Se fosse o corno do...
- Puta, cara, não quero saber de ninguém.
- Ô, calma aí! Vai o de sempre?
- Quatro.
- Só quatro?
- Já bebi hoje.
- Saindo quatro então.
- Valeu. Até dia cinco.
- Até amanhã!

No caminho de volta, os mesmos caras mal encarados. Existia também por ali uma loira. Grande, bonita, gostosa, um pouco acabada pela vida, mas sedutora. Ele sabia que não era uma puta. Outra noite tinha visto um cara ser espancado por outros três. O cara tinha feito uma proposta de cento e cinqüenta contos. Levou porrada. Uma puta naquela área não valia nem dez. A loira não era puta. Chegou a pensar que talvez fosse mulher de algum traficante. Mas mulher de traficante não fica na boca, e aquilo ali era quase a garganta do negócio. De qualquer forma, ele nunca ligou para as cantadas que ela passava.

- E aí, filósofo! Fiquei sabendo que é esse o seu apelido. E hoje, tá sossegado? Vai recusar minha proposta outra vez? Por que você nunca fala comigo? Responde pra mim só desta vez!

Ele parou. Não precisava daquilo. Voltou primeiro a cabeça, depois o resto do corpo, olhando fixo nos olhos. Chegou a sete centímetros da loira e respondeu.

- Barata.

A loira não entendeu. Ninguém que estava por perto se divertindo com a situação entendeu. Não apareceram três caras para socá-lo. Ele seguiu seu caminho. Não sabia o que era bom ou mal pra sua vida. Sabia apenas o que era desnecessário e o que não era. Não precisava daquilo. Seguiu seu caminho com as quatro garrafas de cerveja.

Entrando no apartamento, ela ainda estava na mesa da cozinha, fumando. Não tinha mexido em nada e ele ficou satisfeito com isso.

- Nossa! Como você demorou.
- Pois, é. Nem percebi.

Deixou as quatro garrafas na geladeira e terminou o que restava daquela primeira, que já estava quente, pelo gargalo mesmo.

- Tem copo aí!
- Eu sei.
- Você tá com uma cara!
- Pois é.
- Aconteceu alguma coisa?
- Você mexeu em alguma coisa?
- Não. Fiquei aqui sentadinha.
- Então não aconteceu nada.
- Mas você tá com uma cara!
- Pois é.

Ele não precisava daquilo. Não precisava dela ali. Precisava apenas ficar sozinho. Ficar sozinho tomando cerveja. Uma garrafa apenas bastava, se estivesse sozinho. Mas ela estava ali. E ele não precisava de nada daquilo.


- Você tá com uma cara feia mesmo! Aconteceu alguma coisa?
- Nada.
- Tá se sentindo bem?
- Não.
- Que aconteceu?
- Nada. Eu geralmente não me sinto bem.
- O que você tá sentindo?
- Nada.
- Ei. Responde pra mim.

De novo, a mesma coisa. Ele respondeu.

- Estou me sentindo como se tivesse me transformado numa barata.

Ele disso isso só por falar. Não esperava retorno algum. Mas falava sobre se sentir pequeno, sobre a vontade de se esconder, de desaparecer debaixo de algum móvel da sala, enfiar a cara na parede e esquecer do mundo. Era sobre isso que ele falava.

Ela respondeu.

- Nossa! Uma barata? Igual o Kafka, né?

Ele se surpreendeu. Olhou num silêncio os olhos dela e pensou: “Desgraçada! Você estragou tudo! Era só ficar calada!”. E depois disse.

- É, igual o Kafka.
- Ah! Eu sabia! O meu irmão, o Pitoco... a gente chama ele de Pitoco porque ele é o caçula. Ele chama Mateus, na verdade. Ele já leu esse livro e depois me contou a história. Contou que é a história de um homem que vira barata e expulsa toda a família de casa e depois vira o rei do lar. Tem a ver com capitalismo, não é?

Ele não se decepcionou. Ele não deu risada. Nunca gostou de sorrir na frente de pessoa qualquer.

- O Pitoco já leu muitos livros?
- Ele vive lendo. Depois conta as histórias pra mim.

Ele só perguntou pra confirmar. Ela mudou de assunto.

- Diz pra mim uma coisa... lá na festa... por que você me escolheu?
- Eu te escolhi?
- É, você!
- Como assim eu te escolhi?
- Ah! tinha aquela ruiva chapada dando em cima de você. Até que era bonita. Por que você me escolheu?

Não tinha ruiva. Não tinha nada, ele queria apenas voltar pra casa e ficar sozinho. Ficar sozinho tomando cerveja. Mas essa garota foi atrás. Foi e ele não impediu. Ele não sabia o que era bom ou mal pra sua vida. Só que por alguns instantes esqueceu o que era desnecessário.

Ele respondeu.

- Eu te escolhi e não escolhi a outra, a ruiva, porque ela me disse que Kafka era algum tipo de churrasco.
- Ah! Ah! Ah! Que engraçado!
- Você acredita?
- Bom, pelo menos você escolheu a mais inteligente! Não é?
- Pois é.

Ele sabia que ela não era nada inteligente. Sobre a ruiva, era apenas uma piada irônica. Ele não precisava daquilo. Sabia que a garota só queria sexo e talvez ficar no apartamento. Ele queria apenas ficar sozinho. Não precisava daquilo. Nem dela e nem de sexo.

- Vamos pra sala? Já conheço muito bem sua cozinha!

Ele abriu outra cerveja.

- Lá é mais confortável, você não acha?

Ela queria sexo mesmo, mas já estava sonolenta. “Mais uma garrafa e ela dorme”, ele pensou. Era a sua esperança.

Serviu a cerveja. Ao lado dela, no sofá.

- Então, quer saber?

Ele não queria saber. E quanto mais ela bebia, mais falava.

- Blá, Blá, Blá. Blá, Blá, Blá, Blá. Blá, Blá, Blá.

Ele não ouvia, mas repondia.

- Pois é.
- Blá, Blá, Blá. Blá, Blá, Blá, Blá. Blá, Blá, Blá.
- Pois é.
- Blá, Blá, Blá. Blá, Blá, Blá, Blá. Blá, Blá, Blá.
- Pois é.
- Blá, Blá, Blá. Blá, Blá, Blá, Blá. Blá, Blá, Blá
- Pois é.


Ele não precisava daquilo. Não suportava mais aquilo. Percebeu que a bebida não resolvia e se entregou: “Porra! Eu faço sexo com ela logo e acaba tudo isso. Se for bom, eu durmo e ela se cala. Se não for, eu durmo de qualquer forma.”. Foi o que ele pensou. Buscou mais outra garrafa. Não serviu, tomava no gargalo. Sentou mais pero dela, colocou as mãos em suas pernas e, fazer o quê?, iniciou o ritual. Ela sorriu de início. Depois olhou pra ele.

- Nossa! Que cara é essa?
- Que cara?
- A sua!
- É a minha.
- Nossa! Desculpe!
- O quê?
- Você tá com uma cara!
- De novo?
- Não, tá diferente!
- É a minha.
- Acho melhor ir embora. Acho que é bom você quer ficar sozinho.
- Quê?!
- É sério, desculpa! Só vou pegar minhas coisas.

Não houve despedida. Ela saiu e ele esperou pra trancar a porta. Ela não chamou o elevador e desceu pelas escadas. Ele pensou no ventinho da porta do elevador. Quando ela desapareceu no segundo lance de degraus, ele trancou a porta.

Atravessou a sala e chegou à cozinha. Sentou numa das cadeiras da mesa, acendeu um cigarro e terminou o que restava daquela garrafa de cerveja. Ficou ali um tempo.

Entrou no chuveiro e deixou a água morna cair pelo seu corpo durante dois minutos, depois se masturbou.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

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Eu tinha um texto muito foda pra escrever.
Infelizmente, no bar, tinha muito barulho, nenhuma mesa, nem caneta.
Era um texto sobre... sobre::: sobre...
Um texto muito foda, juro!

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

ADOLFO, O FUHRER

Primeiro sentamos envolta de uma mesa rústica de madeira, numa sala igualmente rústica e paramos, todos os quatro em silêncio, à espera ansiosa do nosso anfitrião. A poetisa de uma perna só foi até um dos quartos, equilibrando-se como podia, ora tocando as mãos na parede, ora apenas escorando o corpo – ficamos ali, olhando a cena. Ela já conhecia o lugar e tinha feito todos os preparativos para a nossa visita. Éramos então jovens estudantes universitários e estávamos atrás de uma boa matéria para estampar a capa da edição comemorativa dos quatro anos do nosso zine. Isso foi em 1987, em uma cidadezinha catarinense, afastada do Atlântico e das fronteiras estaduais. Um amontoado de pastos com minúsculas plantações de vilas aqui e acolá. Foi bem as três da tarde, que ele entrou na sala acompanhado da poetisa manca. Olhou-nos um por um e seus olhos continuavam os mesmos, na verdade, não mudara quase nada, o cabelo, agora branco, dava-lhe uma imagem envelhecida, embora nem um pouco cansada, exceto pelo bigode, que não usava mais, tudo permanecera igual. Sentou-se à mesa conosco e outras xícaras de café foram servidas. Fez um breve aceno para a poetisa, que a essa altura já sabíamos tratar-se de uma espécie de ajudante ou empregada, ela então foi até a enorme e antiga vitrola que ficava no corredor, entre a sala e um dos quartos, colocou Wagner para tocar. Foi a Isabel quem primeiro falou, estávamos todos nervosos demais e ele provavelmente percebera isso, serviu-nos outra rodada de café, enquanto ela fazia a introdução, daquela que seria a primeira de tantas perguntas que tínhamos a fazer. - São meus amigos – ele disse, e o sotaque e entonação daquelas suas primeiras palavras tornavam-no agora inconfundível até mesmo para nós, jovens aspirantes à jornalistas – eu os conheci bem, colhemos frutas às margens do Siena em 1943 – referia-se ao casal Eva e Henz Dickenback, pintores iniciantes, que depois fizeram muito sucesso com suas pinturas excêntricas-sexualistas sobre o holocausto, Hiroshima e Nagasaki. – O senhor realmente comeu a torta? – perguntei. A famosa torta recheada de cocaína e substâncias alucinógenas que os alemães andavam testando em seres humanos e que supostamente, depois de descoberta pelos aliados, foram utilizadas em experimentos da CIA na década seguinte e pelos Hippies, cerca de vinte anos depois – Cinco pedaços inteiros – ele disse, sem hesitar e então a poetisa trocou o disco da vitrola, continuamos nossa conversa, embalados por Carlos Gardel e um coro desafinado de dançarinas e tietes num especial para a TV Argentina – E aquela estória dos pombos? – foi o Otto que perguntou dessa vez – Não passa de boato, embora eu tenha realmente pintado alguns na primeira grande guerra – esse boato dos pombos pintados de verde e vermelho que apareceram na Inglaterra depois de terminada a guerra correra o mundo durante décadas, diziam tratar-se de cores místicas que de alguma forma prenunciavam o renascer de um radicalismo nacionalista alemão nos anos 60 – Pintei alguns, cerca de sete ou oito, mas nenhum de verde ou vermelho gostava mesmo era de azul – ele disse, passando a mão no queixo onde uma barba de três dias crescia. – Alguma razão para preferir pintar os pombos de azul? Isabel perguntou – Não, nenhum em especial, talvez fosse porque ficavam invisíveis quando estavam voando, apenas isso – então a poetisa aproximou-se dele, conversaram baixinho alguma coisa e logo depois ela apontou-nos o relógio. Nosso tempo tinha acabado. Pedimos para fazer umas fotos, mas não deixaram. Desligamos o gravador e fomos embora. Seguimos em um velho Passat pela estradinha de terra, com cercas de arame farpado dos dois lados. Seguimos em silêncio, talvez estivéssemos ainda sob o impacto da entrevista, de ter encontrado o endereço certo, depois de tanto tempo procurando. Agora finalmente tínhamos uma matéria interessante para a edição comemorativa do zine. – Qual será a frase da capa? – perguntei, e por um momento, todos ficaram pensativos, e foi a Isabel quem sugeriu: - Que tal, Pombos Invisíveis no Céu Azul – Gostei dessa – eu disse – Fechado – o Silvio falou pela primeira vez e então o Otto freou o carro com tudo, para dar passagem para duas vacas e um bezerro que passavam despreocupadas, cruzando a estradinha de terra.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Burrus


1 – Calem a boca! Gostaria que todos se calassem!

2 – Formulário laranja. Preenche em duas vias. Letras de fôrma sem rasuras. Entrega no guichê vinte e sete.

1 – Quê?

2 - Formulário laranja. Preenche em duas vias. Letras de fôrma sem rasuras. Entrega no guichê vinte e sete.

1 – Isso eu entendi!

2 – Então?

1 – Eles se calam?

2 – Com o protocolo do guichê vinte e sete, você entrega o formulário amarelo, totalmente preenchido com letres de fôrma e sem rasuras no guichê quarenta e dois, junto com uma carta redigida a próprio punho explicando detalhadamente a solicitação.

1 – Quê?

2 – Com o protocolo do guichê vinte e sete você entrega o formulário amarelo...

1 – Tudo bem! Tudo bem! Isso eu também entendi!

2 – Então?

1 – Eles se calam?

2 – No guichê quarenta e dois você vai precisar dos originais e cópias do RG, CPF, comprovante de residência, comprovante de casamento, se for o caso; caso não seja, certidão de nascimento, título de eleitor com os comprovantes de comparecimento das últimas quatro eleições, se for o caso; se acaso você for novo demais para tantas eleições, traga todos os comprovantes. Todos os comprovantes, inclusive os de comparecimento às eleições, devem estar descritos de forma clara na carta de solicitação redigida a próprio punho que, aliás, deverá ser sem pauta; uma folha branca de sulfite serve.

1 – E daí, eles se calam?

2 – Após comparecer ao guichê quarenta e dois entregando toda a documentação, originais e cópias, o senhor deverá aguardar. Se no período de quinze dias úteis o senhor não receber, na sua residência, a confirmação de entrada da sua solicitação, o senhor deverá comparecer no guichê cinqüenta e sete, com o formulário verde-esperança completamente preenchido com letras de fôrma e sem rasuras, além de toda a documentação solicitada anteriormente; originais e cópias.

1 – E quê mais?

2 – Ao entregar toda a documentação solicitada no guichê cinqüenta e sete, o senhor receberá o protocolo de reentrada de sua solicitação. Com o número de registro deste protocolo, o senhor poderá acompanhar a evolução do seu processo via internet, pelo nosso site na rede.

1 – Tudo bem! Tá certo! Já entendi tudo! Mas responde só uma coisa pra mim. Eles se calam?

2 – Senhor, isso vai depender da evolução do seu processo.

1 – Mas fala pra mim, alguma vez isso deu certo? Alguma vez eles já se calaram?

2 – Desculpe, senhor, este não é meu departamento. Não tenho acesso a este tipo de informação. E, se tivesse acesso, não poderia dá-la, pois correria o risco de ser administrativamente penalizada, de acordo com as diretrizes expostas no nosso manual interno de conduta funcional.

1 – Ah! Não é de seu departamento?

2 – Não, não é.

1 – E existe alguém do quadro funcional desse departamento por perto que possa me ajudar?

2 – A única funcionária disponível no momento, pelo que vejo, é aquela ali.

1 – Ei...

3 – Desculpe. Não posso ajudá-lo de nenhuma forma. Estou no meu horário de almoço.

1 – É só uma informação...

3 – Não posso. Perdão.

1 – Mas será possível?

2 – Posso ajudá-lo em mais alguma coisa senhor?

1 – Claro que pode! Pode sim! E pare de me chamar de senhor! Eu tenho menos da metade da tua idade! Me ajuda! Custa alguma coisa? Eu não vou te denunciar para ninguém! Fica só entre a gente!

2 – Senhor, já te disse que não posso. E peço que se acalme. Se o senhor continuar com essa postura, terei de chamar os seguranças.

1 – Seguranças? Seguranças? Você poderia chamar a polícia se eu tivesse uma arma nas mãos! Mataria primeiro você e seus manuais! Depois mataria aqueles que não se calam!

2 – Senhor, para a solicitação de armas de fogo, basta preencher o formulário azul e entregá-lo no guichê nove, com originais e cópias de RG e CPF. O senhor até que tem sorte, pois estamos em época de carnaval e a superintendência, para poupar-nos de tanto trabalho nestes dias de festas, não está exigindo o exame psicológico para a solicitação em questão!

Vício



Para amortecer a dor. Para mentir amor. Para dizer as palavras que eu não guardo em cadernos. Para fingir um mundo diferente. Para fugir do muito igual. Para cair do céu da noite. Sem paradas que possam me alcançar. Para subir os degraus da percepção, descendo os da vida. Para abreviar, justamente. Para esquecer. Ser esquecido. Para desaparecer, sustenido ou bemol, da harmonia do coro que canta. Para isso ou para aquilo. Para encontrar, seja lá o que for. Para rir e depois chorar. Para esperar com calma, que na espera não há descanso. Para não esperar. Não acreditar. Para cantar em outro tempo. Para não perder aos poucos o tino. Para perdê-lo de vez num único tiro. Para com os amigos. Para quando sozinho. Pára o mundo.

Sem medo. Sem frustrações. Sem sugestões. Sem perder. Sem nada a ganhar. Sem saldo. Sem silêncio. Sem sujeira, pena, pênalty. Sem sentido. Sem ou com música, com ritmo.
vamos prophanos é hora de comer a literatura de alma weit!!!!!!

lar doce lar


quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Espaço Cultural Pyndorama



Sábado agora, dia 10/11/2007, inaugura o Espaço Cultural Pyndorama!

Convite feito, espero que alguns compareçam!

Pertinho do Parque da Água Branca.

Endereço:

Rua Turiassú(çú), 481

Começa às 20:00hs, e pelo que penso, tora a noite adentro.

Estarei no bar, servindo...

Beijos!

A LOCOMOTIVA CHINESA

No ano de 1816 um navio chinês afundou nas águas do Oceano Indico, já perto da costa de Madagascar. Aportara cerca de trinta dias antes das Índias Orientais e carregava uma preciosa carga para a época: uma locomotiva com quarenta e quatro vagões, um presente do Imperador Tang para Dirceu Pontes, o famoso cantor de música popular portuguesa que encantava as platéias de Paris à Pequim desde o final do século XVIII. Dizem que a tal locomotiva tava recheada com uma carga no mínimo sinistra: milhares de caixões de cidadãos chineses que haviam morrido em uma devastadora e desconhecida epidemia. Na verdade, o Império Chinês queria livrar-se daqueles corpos com medo de que pudessem contaminar o resto da população, então os cerca de dez mil corpos foram colocados em caixões individuais, lacrados e a intenção era atira-los ao mar assim que o navio estivesse bem distante dos portos asiáticos, além, é claro, de continuar a viagem contornando o Cabo da Boa Esperança, até chegar em Lisboa, onde uma comitiva do Governo Português junto com a assessoria de imprensa de Dirceu Pontes fazia os preparativos para a festejada recepção. Acontece que o navio percorreu uma distância muito maior do que era previsto, com todo aquele peso excessivo dos cerca de dez mil caixões. Ele naufragou nas águas de Madagascar, perto de uma cidadezinha portuária que nem existe mais. O comandante do navio chinês, o americano naturalizado coreano (mas com olhos e pele chineses) Arnold Lee, tava distraído demais com suas 117 acompanhantes e esqueceu de atirar os caixões ao mar, quando o navio começou a afundar, contam até hoje os nativos da ilha de Madagascar, era possível enxergar milhares de fantasmas chineses enrolados em lençóis brancos, saindo de dentro da água, seguindo todos na direção do seu país de origem. Diz a lenda que o fantasma de Arnold Lee passou a guiar a locomotiva, percorrendo o fundo do mar numa viagem que continua até hoje, ele e os fantasmas das suas 117 amantes. E contam ainda, mas isso é coisa que só se comenta lá pras bandas de Portugal, que depois desse dia Dirceu Pontes nunca mais cantou uma única frase.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Ambo


A vodca toda secava no chão, contaminada pelo pó de tantos dias que o apartamento ficou fechado. Jogado numa cadeira, os braços pendurados pra trás, sentia escorrer o líquido peito abaixo.

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Na verdade, sou uma pessoa tranqüila na maior parte do tempo. Aquilo que fiz, o caso da morte, foi necessário. Qualquer um faria igual.

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Não havia nitidez em nada. Sabia que aquilo ali era a pia da cozinha, porque era tudo o que existia ali; sabia que aquele som era de passos pisando cacos de vidro, pois o cheiro da vodca invadia meu nariz. Tem horas que nossa percepção nos surpreende.

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Tem horas que nossa percepção nos surpreende. Imaginei que fosse doer, mas não. Sangrou, mas quase não, muito pouco. O corpo ainda estava ali. Sentia o líquido no chão.

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A vida também surpreende às vezes; ao menos uma vez. Lembrei de como teria sido pra outras pessoas, mas creio que não era nada parecido. De qualquer forma, tinha outras dores pra me preocupar... as minhas.

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E agora? Continuar aqui? Minhas preocupações não eram nada de especial enquanto não fosse possível algum movimento. Esperava a depressão pós êxtase, mas ela não chegava.

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Matar ou morrer deve levar ao êxtase. Só não se pode acostumar com isso. Creio que, na verdade, não acostumamos. São fatos, simplesmente.

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Distância daquilo; os pés continuam molhados, pesados. Ajoelho diante do deus morto, morto, na parede. Não rezo e nem peço, não há mais tempo.

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Não há mais tempo. Os pés deixam marcas aguadas e brilhantes no piso claro da cozinha. Lembro de quem sou.

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Penso em quem era. Não importa mais, ficou pra trás. Nem ao menos lembro quem matou.

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Não faço idéia de quem morreu. Será logo, a descoberta?

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Na verdade, não fazemos idéia de nada.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

conheço seu favores aos militantes da causa
calcinha a mais sensual rendada
mancha na esteira que balança nas rajadas de vento
ponta de agulha ultima estaçao
hey hey folk
na universidade alimentava um idealismo
alguma sucessivas subidas
vejamos
hey hey dormindo com algum calouro
fracassado remoendo a posibilidades
espelucas baratas era o que podia pagar
estocadas
lamber suas orelha
repetir sujeiras

sábado, 20 de outubro de 2007

:


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Reclamou do jeito que a olhei. Foi a primeira coisa que fez quando me encontrou. Não tive culpa e nem como evitar. Disse que era melhor não ficar tão nervosa e prestar mais atenção no que estava dizendo. Sim, meus olhos arregalaram naquele momento. O desejo ferveu em meu corpo, como fugir disso? Tive que confessar, ela nem tinha percebido. Tudo bem, que vá embora, não posso fazer nada. Desmentir tudo por conta de seus caprichos? Isso não. Afinal, não fui eu quem expôs aquelas fotos naquele muro do centro da cidade.

Um amigo me ligou. Estava ouvindo música e não quis atender. Apostei que ele não morreria tão cedo.

Todos aqui na cidade reclamam seus direitos. "Meus direitos, meus direitos", eles dizem, mas nem sabem de nada do que falam. Está bom demais, para eles, acolchoarem-se num pano quente após o dia duro de trabalho, desejando ter a certeza de que a noite passará e tudo continuará igual. Não pensam e nem percebem que nenhuma noite passa sã.

Os insanos ficam satisfeitos com suas tochas nas mãos. Usam-nas para ferir um pouco a noite.

Ela tentava dormir, estava ansiosa demais. Nas janelas dos prédios os senhores jogavam água e reclamavam do barulho que vinha da rua. Jovens drenavam garrafas na calçada enquanto dois trabalhadores colavam cartazes no muro.

Catártico, seria esta a palavra para jogar com os cartazes?

A cento e oitenta quilômetros por hora, uma alma chora na rodovia, mas não sabe o porquê. Sente pena dos filhos dos outros motoristas e decide chegar vivo em casa ou em qualquer lugar. Ele sabe que qualquer hora a gasolina acaba, as lágrimas secam, o furor passa. Queria um pouco mais de combustível pra respirar, mesmo que fosse adulterado.

Tentei me convencer de que não eram meus olhos, que tudo era daquele mesmo jeito. Consegui, não eram meus olhos.

Pensei nos homens que colavam os cartazes, nas fotos, no baixo ordenado que receberiam.

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Quando acordei a pequena fresta de luz que entrava pela janela lembrou que era domingo. Senti pena dos filhos dos motoristas, pois seus pais tinham mais o que fazer. Senti medo de todas as crianças, imaginando o que se tornariam quando crescessem.

A empregada tocou o interfone e disse que era hora de lavar os lençóis. Medi meu corpo e calculei a possibilidade de entrar no cesto de roupas sujas. Lembrei que não eram panos meus e que estava num hotel. Deixei as chaves na recepção e saí.

A história das fotos mexeu mesmo com seus nervos; o jeito que andava demonstrava isso claramente. Evitei encontrá-la e entrei num comércio antes que nos cruzássemos. Provavelmente o recepcionista diria que eu acabara de sair. Ela certamente perguntaria se tinha levado meus pertences. Ele diria que não. A garota das fotos correria então ao lugar de sempre, mas eu não estaria por lá.

Os filhos dos motoristas estão em todos os lugares. Não parecem tão coitados, assim de perto. Parecem jovens que gritam com garrafas nas mãos. Deixei de sentir pena deles. Havia uma criança dessas no banheiro, sozinha, caída e vomitando o pouco de noite que passara. Não devia fazer diferença pra ninguém. Mais tarde voltou aos amigos. Sorridente e empolgado, contou todas as aventuras que viveu no banheiro. Desde o vômito até o cara que passou por cima dele sem dar atenção.

As gentes da cidade têm todos os direitos. Miram os olhos no próprio umbigo e ali até enxergam o universo, como dizem por aí. Prefiro observá-las; o jeito como se decompõem com o tempo sem perceber...

Lembro das fotos que se apagarão em uma semana chuvosa. Gostaria de ter evitado, mas estávamos todos ali. Os senhores jogando água pelas janelas, os jovens, os trabalhadores que colavam os cartazes e eu apenas atravessava a rua, não pude evitar. Também nunca apreciei a promiscuidade desses ares que respiramos por aqui, mas como fugir disso?

A duzentos e vinte quilômetros por hora engatilhei minha pistola e dei um tiro no vácuo; o volante do carro solto e uma garrafa entre as pernas. Tentei pensar numa explicação do porquê fazia aquilo, mas não havia resposta, apenas me sentia melhor.

Aposto que existe, neste momento, alguma garota, com seus menos de vinte, chorando em seu quarto por algum amor que nunca existiu; e que todos os garotos se vangloriam diante dos amigos, mesmo que não tivessem satisfeito a mulher. Acredito que os senhores só queriam mesmo era dormir, mas não entendo porque escolheram um apartamento justamente naquela região. Também não entendo como conseguem tantos trabalhadores viverem com tão baixo ordenado. Não sinto nada especial por nada disso, na verdade. Apenas penso que talvez não fossem mais do que simples fotografias.

A recepção do hotel trocou de turno. A nova recepcionista é muda. A garota das fotos senta na calçada em frente, acende um cigarro e observa, no fim da rua, a esquina e o cruzamento com a avenida, reavivando a esperança a cada vulto que aparece na madrugada.

A cento e oitenta batimentos cardíacos por minuto, já se está muito longe e não há mais combustível para voltar.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

O COLECIONADOR DE PONTAS

Na falta do que fazer, colecionava pontas. E eram tantas pontas diferentes, dos mais variados tipos de fumo, das mais diversas procedências, tinha de tudo quanto era canto, da Argélia, da Nigéria, da Colômbia, da Holanda, da Irlanda, do Malásia, do Equador. Tava sozinho no seu quarto agora, aumentou o som da vitrola, Miles Davis solava, o baseado tava ficando pequeno, quase acabando, virando ponta, olhou para a multidão que passava lá embaixo, fazia tempo que não guardava uma ponta, pensou em arremessá-la, mas mudou de idéia, apagou o cigarro no peitoril da janela e guardou a ponta no bolso. Lembrou-se de quando começara com aquela estória de juntar pontas, foi ali mesmo, naquele quarto que guardou a primeira das incontáveis que tinha agora, ia juntando tudo dentro de uma caixa de fósforos, até que aquela minúscula caixinha ficou menor ainda e teve que troca-la por um maço de cigarros vazio, depois, quando o maço ficou pequeno, passou para uma caixa de sapatos. E as pontas só iam aumentando, tirou as roupas de uma das gavetas do armário, a gaveta de baixo, virou a caixa de sapatos com todo o seu conteúdo lá dentro, depois jogou outras por cima. E assim foi, até o dia em que o armário inteiro estava lotado de pontas. Demitiu a empregada com medo que ela contasse para alguém, ela parecia uma informante da SS e por isso ele achou melhor demiti-la. Certa tarde, quando distraidamente abriu uma das portas do armário, uma avalanche de pontas caiu sobre ele, o armário também tinha ficado pequeno para todos aqueles restos de cigarro. Tirou as coisas do quarto, menos a cama e a vitrola, e as pontas foram empilhando-se em milhares de colunas, que depois tomaram o corredor, parte da sala, parte do banheiro, exceto o canto onde ficava o chuveiro. Metade da cozinha também tava tomada por pilhas e pilhas de pontas. Olhou outra vez para baixo, para a multidão viajante. O disco do Miles Davis tinha acabado, decidiu descer e dar uma volta pelas ruas do bairro, o céu estava coberto de nuvens escuras e ele estava mesmo afim de tomar um banho de chuva. Fechou a janela e saiu, apertou o botão do elevador, esperou que ele subisse até o sexto andar, onde morava, mas então mudou de idéia e decidiu descer pela escada, quando estava quase chegando no térreo, ficou em duvida se fechara ou não a porta e decidiu subir outra vez para conferir. E foi assim, pegou o elevador dessa vez e chegando no apartamento, percebeu que a porta estava entreaberta, deu uma espiada lá pra dentro, viu a ex-empregada informante da SS com outros dois policiais dentro da sua casa, tinham descoberto o seu segredo, e tinha tanta maconha armazenada naquele apartamento que seria impossível não ser acusado de tráfico, pensou em correr, sumir dali, pegar o primeiro avião para a Holanda, quando de repente, a informante da SS apontou para ele que viajava lá da porta, os dois tiras vieram atrás, correndo com seus cassetetes e gritando, desceu as escadas correndo, no terceiro andar, parou escondido atrás de um vaso gigante de uma astróloga maluca. Escutou o elevador descendo e viu quando um dos policiais passou, descendo as escadas até os andares de baixo, então subiu lentamente e foi até o vigésimo segundo, o ultimo andar, não morava ninguém por ali. Encostou-se em um canto, remexeu nos bolsos encontrando a ponta, a ultima ponta que restara de toda a sua coleção, acendeu e deu um longo trago. À todos os malucos do mundo, pensou. E pensou também na informante de SS que a essa hora já devia estar com as saias abaixadas para os tiras, e sentiu o cheiro da fumaça que mistura ao som de Charlie Parker inundava os corredores e a escadaria do prédio, vindo diretamente lá do sexto andar ou será que vinha do fundo da sua mente?
Estas eram pra ser palavras ficcionais que não tinham nada a ver com isso. Qualquer semelhança com fatos reais terá sido mera consequência do que poucas horas de sono semanais e alguma ceveja podem causar.



Morreram de sede os pobres animais, coitados. E o pior é que ainda ficaram tristes nos últimos momentos, imaginando que alguém sentiria alguma falta. Esperavam algumas últimas palavras, alguma compaixão, saudades ou cremação, se fosse possível. Eram poetas, mas suas últimas palavras não tinham sentido, nada de significação. Nem eles mesmos entendiam, apenas carregavam o crachá e se desculpavam dizendo que sempre tinha alguma coisa fodendo a vida. Morreram de sede os pobres animais porque não fodiam a vida, ou fodiam pouco, não o bastante.

É de antes desse tempo que se sabe que tal morte se reservava apenas a engenheiros, doutores, cristãos e suas variantes (padres não), senhores e senhoras e medrosos em geral, quase todo o resto.

Passaram a mortos-vivos, não chegarão à imortalidade. Não aquela das letras, mas a que se deve procurar a cada momento. Aquela que se pode encontrar em qualquer instante no qual os pulmões, ou apenas um, se necessário, continuam respirando e enquanto alguma idéia esteja funcionando.

Poderiam morrer de sede de qualquer outra forma, os poetas: o estoque de cerveja acabando, por exemplo. Mas nem isso. Continuam lá, as garrafas, esperando. E continuam lá, eles, esperando.

Mas também, tanto faz. Sendo o que são, seria mais natural que não fossem plural, que estivesse cada um no seu canto. Morrendo de sede juntos, são ainda alguma aberração que valha.

Bem, ao menos não nasceram mortos...

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

0

Broxe amolecido da exaustão da caminhada do hiper mercado onde assinava ponto, gari de umas pardas covinhas mais um lance de escadas estava nas caçambas de entulho.

Com fedido jaleco amarelinhosustinho ficar musicado. meu gemidinho

Mania com segredo de seu namorado bombeado utilircio fixo da fiscalização.

Dengo chamado por esse que escreve, ganhamos tarde de folga.

Sabe das ultimas ouricei aquela noite é estou com bonança de negócios.

Dengo depois se agarra no almoxarifado fadinha.

Que excitação de ser imaginativamente flagrados.

Posso usar sua caneta

Estrondo de fisionomias pálidas

Saíram um balão de quadrinho cafetão


BICHARADA BICHARADA

BICHARADA BICHARADA BICHARADA

BICHARADA

Super ofertas de fofoqueiro

BICHARADA

Calças COMPRIDAS

BICHARADA

BICHARADA

BICHARADA BICHARADA

BICHARADA

BICHARADA

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Promessa

Porque a busca prossegue. Porque o risco também. Gostaria que encontrassem um fragmento de vida nesta poesia...


Promessa

todos os sentidos
na avenida
as sensações
despertadas

e esquecidas
no outro momento


há vida

no andar daquela mulher
na fumaça que sai
da xícara de café
no riso adolescente
que se desfaz
antes de se tornar adulto

no ruído dos aviões
que voam para longe
qualquer lugar
no canto dos pássaros
presos em gaiolas
um novo mar
um novo onde
e o desejo existe

ouço todos os novos sons
em velhas notas
estancado
como se fosse morte
não é verdade
onde há você
haverá vida?
haverá alguém?

por fim, o gole na cerveja
a volta ao lar
alguma conversa sobre contas
e as roupas sujas
que não sei onde jogar
noutro dia
haverá... vida


Não sei se encontraram fragmento algum de vida aqui, mas encontrem beijos e abraços prophanos!

Defective Smile

FIZ LIMPEZA NOS DENTES.


ESTOU SATISFEITO COM MEU SORRISO LIMPO, MAS AINDA DEFEITUOSO.

MEU NOME?

VOCÊ NÃO ADIVINHA MEU NOME...



Ah, não... isso é só a poesia do instante. Se é que é poesia.

Beijos e abraços prophanos!

terça-feira, 9 de outubro de 2007

EMILIA

Eu conheci Emilia em uma das minhas andanças por essas estradinhas de terra que a gente nunca sabe aonde vai dar. Era uma manhã quente de sol e as solas dos meus sapatos pareciam duas frigideiras. A casa dela era toda feita de compensado, dessas que uma ventania mais forte bota abaixo em questão de segundos. Fui até lá pedir um prato de comida e tive sorte, pois além de me servir costela de porco ela me contou que o seu marido estava em outro estado a trabalho, eram recém casados e não foi nada difícil ficar por lá dois dias e duas noites inteiras. Na manhã do terceiro dia apanhei meu chapéu e o meu violão e peguei a estrada outra vez, a Emilia prometeu que me encontraria em Veracruz na semana seguinte. E não deu outra, eu tava lá no mesmo bar de sempre quando ela chegou com uma saia e uma mala enormes. Seguimos a estrada, pegando carona até uma fazenda de laranja em São José. Emilia tinha largado o marido, que segundo ela, não passava de um bêbado estúpido. No dia seguinte já estávamos empregados, trabalhávamos na colheita quatro horas seguida, parávamos por uma hora para o almoço e depois retornávamos para as quatro ultimas horas. Era um trabalho pesado, mas seguíamos executando-o e no final de cada dia eu tocava o meu violão por cerca de duas horas na varanda em frente a nossa casa, enquanto a Emilia preparava o rango. Tivemos quatro filhos, um seguido do outro, mas nenhum se parecia nem um pouco comigo. No quinto ano, Emilia me botou pra fora de casa depois de uma das nossas incontáveis discussões, eu andava desconfiado que ela tava se encontrando com o sobrinho do dono da fazenda e fui tirar satisfação. Dois dos meus filhos se pareciam com ele, dos outros dois, um era a cara do entregador de leite e o quarto era um mistério. Ela atirou uma tampa de panela na minha cabeça e tentou quebrar o meu violão, tomei-o de volta e corri para a estrada outra vez. Enquanto ela me xingava e continuava atirando coisas na minha direção. Fui parar em Helena, eu tinha alguns amigos nessa cidade, fiquei na casa de um deles por uns tempos e mais ou menos nessa época comecei a tocar na estação de trem até juntar uma grana. O dinheiro não dava pra nada, torrava tudo com bebida e cheguei a ficar internado um tempo com problemas no fígado.Bom, isso já faz muito tempo, uns trinta anos, talvez. Esses dias, um desses meus filhos que não se pareciam nada comigo me encontrou, disse que tinha vindo através de um anúncio que eu colocara meses antes em um jornal que circulava por todo o estado, no tal anúncio eu procurava por um parceiro que tocasse gaita e soubesse algumas músicas, tava afim de gravar um disco e tinha centenas de composições próprias. Esse meu filho então se ofereceu para pagar pelas cópias do disco, aceitei na hora e até deixei o imundo hotel em que eu vivia. Ele contou também que a Emilia tinha se casado com um motorista de ônibus intermunicipal e que tivera outros sete filhos. Todos com a cara do padeiro e do carteiro, deduzi. Acabei desistindo da idéia de encontrar um parceiro, gravei todo o disco sozinho, doze canções, doze grandes canções de amor. Nem é preciso dizer que uma delas, a única que chegou a tocar certa vez aqui em uma rádio local chamava-se Emilia, e naquela ultima tarde de gravação, enquanto eu cantava uns versos sobre minhas caminhadas pelas estradas do interior, olhando esse meu filho que acompanhava cada movimento dos meus dedos, que embora velhos, continuavam ágeis, por um momento cheguei a pensar que ele fosse bem parecido comigo. Talvez não fosse filho daquele sobrinho do dono da fazenda em que eu trabalhara, talvez nenhum deles fosse. Toquei umas notas erradas então, até que por fim tirei esse pensamento da minha cabeça, afinal de contas eu precisava continuar com o Blues.



o saco do pião enroscou na cela
vencido com a bolas triturada









um recado dirigido





até agora nessa gondola qual é






boceta aquela bem rosada




reflito cagando
imagina sóbrio e comissionado

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Erostrato


Comecei a crer que meu destino seria curto e trágico. Isso me amedrontou a princípio, depois me habituei. Encarado sob certo ângulo, é atroz, mas, de outro lado, dá ao instante que passa uma força e uma beleza consideráveis. Quando desci à rua, sentia em meu corpo uma força estranha. Tinha junto a mim meu revólver, essa coisa que explode e faz barulho. Mas não era mais nele que punha minha segurança, era em mim, eu era um ser da espécie dos revólveres, dos petardos e das bombas. Eu também, um dia, no fim de minha vida obscura, explodiria e iluminaria o mundo com uma chama violenta e fugaz como um clarão de magnésio.
Aconteceu-me, por essa ocasião, ter muitas noites o mesmo sonho. Era um anarquista, tinha-me colocado à passagem do czar e levava comigo uma máquina infernal. À hora ajustada, o cortejo passava, a bomba explodia e sob o olhar da multidão nós voávamos pelo ar, eu, o czar e três oficiais com galões de ouro. Eu ficava, agora, semanas inteiras sem aparecer no escritório. Passeava pelos bulevares, no meio de minhas futuras vítimas, ou encerrava-me no meu quarto fazendo planos. Despediram-me no começo de outubro. Ocupava, então, minhas horas vagas redigindo a seguinte carta, que copiei em 102 exemplares.

“Senhor
Sois célebre e vossas obras alcançam tiragens de 30 mil exemplares. Vou dizer-vos por quê: é que amais os homens. Tendes o humanismo no sangue: eis a vossa sorte. Desabrochais quando estais em boa companhia; quando vedes um de vossos semelhantes, mesmo sem conhecê-lo, sentis simpatia por ele. Admirais o seu corpo, pela maneira como é articulado, pelas pernas que se abrem e se fecham à vontade, pelas mãos sobretudo; agrada-vos que haja cinco
dedos em cada mão e que o polegar passe a opor-se aos outros dedos. Deleitai-vos quando vosso vizinho pega uma xícara da mesa, porque ele tem um modo de pegar que é propriamente humano e que sempre descrevestes em vossas obras como menos elástico e menos rápido que o do macaco, não é? Porém muito mais inteligente. Amais também a carne do homem, seu comportamento de um mutilado em reeducação, seu ar de reinventar a marcha a cada passo e seu famoso olhar que as feras não podem suportar. Foi fácil, pois, encontrar a linguagem que convém para falar ao homem de si mesmo; uma linguagem pudica mas apaixonada. Os indivíduos atiram-se com gula aos vossos livros, lêem-nos numa boa poltrona, pensam no grande amor infeliz e discreto que lhes dedicais e isso os consola de muitas coisas, de serem feios, covardes, cornos, de não terem recebido aumento em primeiro de janeiro. E diz-se, de bom grado, de vosso último romance: é uma boa ação.
“Tereis curiosidade em saber, suponho, o que pode ser um homem que não gosta dos homens. Pois bem, sou eu e eu os amo tão pouco que vou, agora mesmo, matar uma meia dúzia deles; talvez vos pergunteis: por que somente uma meia dúzia? Porque meu revólver não tem mais que seis cartuchos. Eis uma monstruosidade, não? Além do mais, um ato propriamente impolítico? Mas eu vos digo que não posso amá-los. Compreendo muitíssimo bem o que vós sentis. Mas o que neles vos atrai a mim me repugna. Vi, como vós, homens mastigarem com moderação, conservando o olho adequado, folheando com a mão esquerda uma revista econômica. É culpa minha se prefiro assistir à refeição das focas? O homem nada pode fazer de seu rosto sem que isso vire jogo fisionômico. Quando ele mastiga conservando a boca fechada, os cantos dos lábios sobem e descem, ele parece passar sem descanso da serenidade à surpresa chorona. Gostais disso, eu o sei, chamais a isso vigilância do Espírito. Mas a mim isso me aborrece. Não sei por quê; nasci assim.
“Se não houvesse entre nós senão uma pequena diferença de gosto, eu não vos importunaria. Mas tudo se passa como se tivésseis a graça e eu não. Sou livre para gostar ou não de lagosta à americana, mas, se não gosto dos homens, sou um miserável e não posso encontrar lugar ao sol. Monopolizaram o sentido da vida. Espero que compreendais o que quero dizer. Há 33 anos que esbarro em portas fechadas sobre as quais se escreveu: 'Se não for humanista,
não entre.' Tive de abandonar tudo o que empreendi; precisava escolher: ou era uma tentativa absurda e condenada ou era preciso que ela redundasse cedo ou tarde em seu proveito. Os pensamentos que eu não lhes destinava expressamente, eu não chegava a destacá-los de mim, a formulá-los; permaneciam em mim como leves movimentos orgânicos. Mesmo as ferramentas de que me servia senti que lhes pertenciam; as palavras, por exemplo: desejara palavras minhas. Mas as de que disponho arrastaram-se por não sei quantas consciências; arranjam-se inteiramente sós na minha cabeça em virtude de hábitos que tomaram nas outras e não é sem repugnância que as utilizo quando vos escrevo. Mas é pela última vez. Eu vos digo: ou amamos os homens ou eles não nos permitem trabalhar a sério. Eu não quero meiostermos. Vou pegar, agora mesmo, meu revólver, descerei à rua e verei se é possível executar bem alguma coisa contra eles. Adeus, senhor, talvez sejais vós quem vou encontrar. Não sabereis jamais com que prazer eu explodirei vossos
miolos. Se não — é o caso mais provável — lêde os jornais de amanhã. Lá vereis que um indivíduo chamado Paul Hilbert matou, numa crise de furor, cinco transeuntes no bulevar Edgar-Quinet. Sabeis melhor que ninguém o que vale a prosa dos grandes diários. Compreendei que não sou um 'furioso'. Estou muito calmo, ao contrário, e vos peço aceitar os meus melhores cumprimentos.
Paul Hilbert.”


Trecho de Erostrato publicado em O Muro, de Jean Paul Sartre.