terça-feira, 16 de outubro de 2007

O COLECIONADOR DE PONTAS

Na falta do que fazer, colecionava pontas. E eram tantas pontas diferentes, dos mais variados tipos de fumo, das mais diversas procedências, tinha de tudo quanto era canto, da Argélia, da Nigéria, da Colômbia, da Holanda, da Irlanda, do Malásia, do Equador. Tava sozinho no seu quarto agora, aumentou o som da vitrola, Miles Davis solava, o baseado tava ficando pequeno, quase acabando, virando ponta, olhou para a multidão que passava lá embaixo, fazia tempo que não guardava uma ponta, pensou em arremessá-la, mas mudou de idéia, apagou o cigarro no peitoril da janela e guardou a ponta no bolso. Lembrou-se de quando começara com aquela estória de juntar pontas, foi ali mesmo, naquele quarto que guardou a primeira das incontáveis que tinha agora, ia juntando tudo dentro de uma caixa de fósforos, até que aquela minúscula caixinha ficou menor ainda e teve que troca-la por um maço de cigarros vazio, depois, quando o maço ficou pequeno, passou para uma caixa de sapatos. E as pontas só iam aumentando, tirou as roupas de uma das gavetas do armário, a gaveta de baixo, virou a caixa de sapatos com todo o seu conteúdo lá dentro, depois jogou outras por cima. E assim foi, até o dia em que o armário inteiro estava lotado de pontas. Demitiu a empregada com medo que ela contasse para alguém, ela parecia uma informante da SS e por isso ele achou melhor demiti-la. Certa tarde, quando distraidamente abriu uma das portas do armário, uma avalanche de pontas caiu sobre ele, o armário também tinha ficado pequeno para todos aqueles restos de cigarro. Tirou as coisas do quarto, menos a cama e a vitrola, e as pontas foram empilhando-se em milhares de colunas, que depois tomaram o corredor, parte da sala, parte do banheiro, exceto o canto onde ficava o chuveiro. Metade da cozinha também tava tomada por pilhas e pilhas de pontas. Olhou outra vez para baixo, para a multidão viajante. O disco do Miles Davis tinha acabado, decidiu descer e dar uma volta pelas ruas do bairro, o céu estava coberto de nuvens escuras e ele estava mesmo afim de tomar um banho de chuva. Fechou a janela e saiu, apertou o botão do elevador, esperou que ele subisse até o sexto andar, onde morava, mas então mudou de idéia e decidiu descer pela escada, quando estava quase chegando no térreo, ficou em duvida se fechara ou não a porta e decidiu subir outra vez para conferir. E foi assim, pegou o elevador dessa vez e chegando no apartamento, percebeu que a porta estava entreaberta, deu uma espiada lá pra dentro, viu a ex-empregada informante da SS com outros dois policiais dentro da sua casa, tinham descoberto o seu segredo, e tinha tanta maconha armazenada naquele apartamento que seria impossível não ser acusado de tráfico, pensou em correr, sumir dali, pegar o primeiro avião para a Holanda, quando de repente, a informante da SS apontou para ele que viajava lá da porta, os dois tiras vieram atrás, correndo com seus cassetetes e gritando, desceu as escadas correndo, no terceiro andar, parou escondido atrás de um vaso gigante de uma astróloga maluca. Escutou o elevador descendo e viu quando um dos policiais passou, descendo as escadas até os andares de baixo, então subiu lentamente e foi até o vigésimo segundo, o ultimo andar, não morava ninguém por ali. Encostou-se em um canto, remexeu nos bolsos encontrando a ponta, a ultima ponta que restara de toda a sua coleção, acendeu e deu um longo trago. À todos os malucos do mundo, pensou. E pensou também na informante de SS que a essa hora já devia estar com as saias abaixadas para os tiras, e sentiu o cheiro da fumaça que mistura ao som de Charlie Parker inundava os corredores e a escadaria do prédio, vindo diretamente lá do sexto andar ou será que vinha do fundo da sua mente?

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