terça-feira, 9 de outubro de 2007

EMILIA

Eu conheci Emilia em uma das minhas andanças por essas estradinhas de terra que a gente nunca sabe aonde vai dar. Era uma manhã quente de sol e as solas dos meus sapatos pareciam duas frigideiras. A casa dela era toda feita de compensado, dessas que uma ventania mais forte bota abaixo em questão de segundos. Fui até lá pedir um prato de comida e tive sorte, pois além de me servir costela de porco ela me contou que o seu marido estava em outro estado a trabalho, eram recém casados e não foi nada difícil ficar por lá dois dias e duas noites inteiras. Na manhã do terceiro dia apanhei meu chapéu e o meu violão e peguei a estrada outra vez, a Emilia prometeu que me encontraria em Veracruz na semana seguinte. E não deu outra, eu tava lá no mesmo bar de sempre quando ela chegou com uma saia e uma mala enormes. Seguimos a estrada, pegando carona até uma fazenda de laranja em São José. Emilia tinha largado o marido, que segundo ela, não passava de um bêbado estúpido. No dia seguinte já estávamos empregados, trabalhávamos na colheita quatro horas seguida, parávamos por uma hora para o almoço e depois retornávamos para as quatro ultimas horas. Era um trabalho pesado, mas seguíamos executando-o e no final de cada dia eu tocava o meu violão por cerca de duas horas na varanda em frente a nossa casa, enquanto a Emilia preparava o rango. Tivemos quatro filhos, um seguido do outro, mas nenhum se parecia nem um pouco comigo. No quinto ano, Emilia me botou pra fora de casa depois de uma das nossas incontáveis discussões, eu andava desconfiado que ela tava se encontrando com o sobrinho do dono da fazenda e fui tirar satisfação. Dois dos meus filhos se pareciam com ele, dos outros dois, um era a cara do entregador de leite e o quarto era um mistério. Ela atirou uma tampa de panela na minha cabeça e tentou quebrar o meu violão, tomei-o de volta e corri para a estrada outra vez. Enquanto ela me xingava e continuava atirando coisas na minha direção. Fui parar em Helena, eu tinha alguns amigos nessa cidade, fiquei na casa de um deles por uns tempos e mais ou menos nessa época comecei a tocar na estação de trem até juntar uma grana. O dinheiro não dava pra nada, torrava tudo com bebida e cheguei a ficar internado um tempo com problemas no fígado.Bom, isso já faz muito tempo, uns trinta anos, talvez. Esses dias, um desses meus filhos que não se pareciam nada comigo me encontrou, disse que tinha vindo através de um anúncio que eu colocara meses antes em um jornal que circulava por todo o estado, no tal anúncio eu procurava por um parceiro que tocasse gaita e soubesse algumas músicas, tava afim de gravar um disco e tinha centenas de composições próprias. Esse meu filho então se ofereceu para pagar pelas cópias do disco, aceitei na hora e até deixei o imundo hotel em que eu vivia. Ele contou também que a Emilia tinha se casado com um motorista de ônibus intermunicipal e que tivera outros sete filhos. Todos com a cara do padeiro e do carteiro, deduzi. Acabei desistindo da idéia de encontrar um parceiro, gravei todo o disco sozinho, doze canções, doze grandes canções de amor. Nem é preciso dizer que uma delas, a única que chegou a tocar certa vez aqui em uma rádio local chamava-se Emilia, e naquela ultima tarde de gravação, enquanto eu cantava uns versos sobre minhas caminhadas pelas estradas do interior, olhando esse meu filho que acompanhava cada movimento dos meus dedos, que embora velhos, continuavam ágeis, por um momento cheguei a pensar que ele fosse bem parecido comigo. Talvez não fosse filho daquele sobrinho do dono da fazenda em que eu trabalhara, talvez nenhum deles fosse. Toquei umas notas erradas então, até que por fim tirei esse pensamento da minha cabeça, afinal de contas eu precisava continuar com o Blues.

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