quinta-feira, 29 de novembro de 2007

O HOMEM QUE FOI PARA A GUERRA

Acordou as 7 em ponto e como fazia todos os dias, primeiro foi até o banheiro, lavou o rosto, refez a barba que não tinha ficado totalmente aparada na noite anterior, andava crescendo rápido e era melhor se precaver. Voltou para o quarto, vestiu a farda, engraxou e calçou o coturno reluzente com as marcas de outras batalhas. E quantas batalhas teriam sido? Não conseguia se lembrar de todas. Certamente centenas. Talvez muito mais. A cabeça rodava um pouco. Foi até o banheiro e cheirou duas carreiras de cocaína, cocaína da boa, quase pura e foram duas carreiras bem servidas. Foi até o armário. Apanhou o fuzil, conferiu a munição no carregador, vinte ao todo. Mexeu num estojinho de madeira, pegou mais, uma porção, duas mãos cheias, meteu tudo no bolso lateral da calça. Depois conferiu a pistola, tudo certo com ela também. Carregadíssima. Ah, esses bastardos. Esses filhos da puta. Hoje ele não tava pra brincadeiras. E talvez também por isso, desceu até a cozinha e apanhou o velho taco de beisebol que ficava debaixo da mesa da sala de estar, fazia tempo que ele não usava, e sua esposa vivia falando sobre a inutilidade daquele troço, entretanto, ele pensou, seria útil, sobretudo com os moleques. Ah, esses moleques malditos. Bateria em suas cabeças bestas como se fossem bolas de... de? de - de beisebol....isso, bolas de beisebol, bateria naquelas cabeças de merda como se fossem umas porcarias de bolas de beisebol. Saiu.Lá fora o dia era idêntico ao anterior, a mesma casa de bosta parcelada e quase quitada, a mesma vizinhança de bosta no mesmo bairro de bosta da mesma cidade de bosta e assim consecutivamente, seguindo num ciclo quase infinito, por caminhos repletos de inimigos à sua espreita, todos esperando com seus fuzis e suas idéias de morte, vingança e violência. Queria esmagar todos, um por um. Acendeu um cigarro porque contos em que o personagem principal não acende um cigarro não tem lá muita graça, muito charme, talvez. Seguiu em frente, até a garagem. Entrou no tanque. Conferiu os botões, tudo certo – então deu a partida e as imensas portas de ferro com alarme-eletro-choque abriram-se num silêncio que em nada parecia com o seu barulho interior. Foi pela mesma rua de bosta de sempre. Com seu tanque imenso esmagando carros, pessoas e carrinhos de bebês. Esmagou homens entrincheirados, espiões, pára-quedistas que caiam a sua frente. Esmagou meninas em roda, cachorros, outros tanques, carrinhos de cachorro quente e três freiras que tentavam atravessar a avenida.Chegou no seu destino ileso. Não fora preciso disparar um só tiro de fuzil ou de pistola. Nenhum tiro com o seu tanque de guerra, exceto dois, em dois filhos da puta que tentaram atravessar a rua no momento exato em que ele ia passando. Filhos da puta. Filhos da puta. Filhos da puta. Estavam agora esmagados feitos pombos no asfalto. Grande merda. Fim da viagem.Novamente conferiu os botões. Desligou o tanque. Deu uma conferida para ver como estavam as coisas lá fora. Aparentemente tudo tranqüilo. Apanhou novamente o fuzil e o taco de beisebol. A pistola já estava junto ao corpo. Correu abaixado, escondendo-se atrás de um muro em frangalhos. As 7:45 deu aquele mesmo sorriso de criança para o porteiro sem dentes. O porteiro não era um inimigo. Apertou o botão do elevador e quando entrou apertou outro botão. Até o décimo sexto andar, no escritório de arquitetura e urbanismo, onde trabalhava. Pensou no longo dia que teria pela frente, outras batalhas, e então sua cabeça rodou novamente.

2 comentários:

Rafael Mafra disse...

Hahaha!
Talvez nossos netos... talvez nossos netos...
Muito louco o conto!

Abraços!

Alessandro disse...

Eu quero um tanque desses quando eu crescer!

Aliás, um taco de beisebol também!

Esse conto merece um troféu "Oh Deabos"!

Abração, Paulinho! :-)