terça-feira, 10 de julho de 2007

A COMIDA CHINESA MAL ASSOMBRADA

Tudo aconteceu naquele primeiro sábado de inverno, estava em casa com o meu irmão mais novo, já havíamos sido avisados de que os nossos pais só voltariam para casa na terça-feira pela manhã, estavam participando de um simpósio, eles passavam a maior parte do tempo viajando de um lado para o outro, eram representantes numa dessas empresas que trabalham naqueles esquemas furados de pirâmides, andavam empolgados que só vendo, até parece que eles é que eram as crianças da casa.
Deixa primeiro eu contar uma coisa, o meu nome é Sâmara, tenho doze anos e o Pedro, meu irmão, tem sete e parece um idiota, o que é bem comum para garotos dessa idade. Quando nossos pais não estavam em casa nos controlando, comíamos todo o tipo de porcarias que se possa imaginar, geralmente pedíamos hambúrguer no Fast King ou milk-shake no Red Bear, eu poderia passar um ano comendo esses troços todos e garanto que não me importaria nem um pouco. Acontece que naquele sábado a unidade do Red Bear que atendia o nosso bairro estava fechada para reforma e o numero do Fast King só dava ocupado, de manhã eu tinha juntado uma porção de correspondências da caixa do correio e no meio das correspondências tinha uma em particular que me chamou muito a atenção, era em papel jornal, branco e preto, falava sobre um tal restaurante de comida chinesa, entregavam em casa e tudo, o mais estranho era a foto de um armário daqueles horríveis, antigos, no canto direito do papel. Não liguei muito para esse detalhe, estava curiosa para provar uma das tais comidas chinesas que eu tinha ouvido falar em um programa de televisão duas semanas antes. Meu irmão estava na rua, então nem me importei se ele iria querer ou não, peguei o telefone e disquei o número. Uma voz muito estranha, de uma mulher, atendeu do outro lado, parecia que fazia eco, uma voz rouca, mecânica - tinham três opções de comida, macarrão-não-sei-com-o-quê, frango xadrez e salada com uma carne de nome estranho, acabei escolhendo o frango. Cerca de 10 minutos depois alguém bateu na porta dos fundos, achei estranho, eu estava na sala esperando a comida ou esperando que o meu irmão voltasse da rua, fui até a porta dos fundos pensando que fosse algum vizinho, olhei pela vidraça, um cara de gorro, baixinho, abraçado à um pacote enorme, vestia uma espécie de saia medieval, nem olhou para mim, apenas ficou ali com aquele embrulho estendido na minha direção, apanhei o pacote e levei até a mesa, quando virei novamente com o dinheiro da comida, ele simplesmente havia desaparecido, desci os cinco degraus da escadinha de madeira, olhei para todos os lados, nada. Tentei ligar para o restaurante, mas ninguém atendia, achei que já estivesse fechado, dobrei o dinheiro e guardei, esperando que pudesse pagar pela comida outro dia. Fui até a área da frente, havia alguns moleques na rua, mas nada do meu irmão. Voltei para a cozinha, e olha só, o mais estranho de tudo, quando eu cheguei lá, as duas caixinhas de comida chinesa estavam fora do pacote, abertas como se esperando para serem devoradas. Peguei primeiro o biscoito da sorte e quebrei na palma da mão, tinha um alfinete enferrujado dentro e um bilhete escrito: caixão quebra, morte enterra, desejo vem. Quando li isso fiquei com medo, tranquei a porta dos fundos, inspecionei o banheiro e a despensa, então escutei passos nos quartos lá em cima, chamei pelo meu irmão, ninguém respondeu, os passos continuaram, até que ouvi a porta do armário do quarto dos meus pais sendo aberta, rangiam e de repente ventou muito, embora as janelas e portas estivessem fechadas. Não sou a pessoa mais corajosa do mundo, talvez se fosse de noite eu saísse correndo em direção à rua, mas talvez por ser dia, e um dia muito bonito por sinal, subi para ver o barulho, lá em cima cheirava à vela, defumador, qualquer coisa assim, a porta do armário estava fechada, girei o trinco, abriu devagar, rangendo, me afastei, as roupas estavam todas reviradas, alguns cabides quebrados, desci correndo e joguei a comida fora, quero dizer, joguei as duas caixas ainda fechadas no lixo. Levei para fora, foi quando vi o meu irmão subindo a rua, pensei em contar para ele, mas é quase certo que ele não acreditaria e o pior de tudo, ainda iria contar para os meus pais que pensariam que eu fosse maluca e todas essas estórias bobas de família.
Meus pais chegam essa noite, estou no quarto agora e o meu irmão já está dormindo, ainda guardo o bilhete que veio no biscoito da sorte chinês, às vezes tenho a impressão de que aquele baixinho anda lá fora vigiando o que acontece aqui dentro, talvez tenha se sentido ofendido por eu ter jogado fora o frango xadrez, mas sabe-se lá o que tinha dentro daquelas caixas, minhocas? Cobras? Aranhas? Escorpiões? Não sei, deve ter sido só impressão. Tentei ligar para o restaurante, mas a mulher que atendeu disse que lá funciona um escritório de advocacia e nunca ouviu falar de restaurante chinês na nossa cidade, o folheto não tinha endereço, só o telefone. Arrumei a bagunça do armário naquele mesmo dia, não encontrei nada de estranho, exceto é claro, os cabides quebrados que joguei fora. De qualquer forma, foi só um susto, vou ver se consigo dormir essa noite. Ouço batidas na porta dos fundos lá embaixo agora, deve ser algum vizinho, o idiota do meu irmão continua dormindo, depois eu conto o resto da estória, vou descer para ver quem é. Já volto.

8 comentários:

Unknown disse...

muito bom o conto... deu medinho e tudo! [ ]s

Subverso Livros disse...

Valeu Letícia. só por curiosidade: quem és tu Marilú????

Alessandro disse...

Por isso que eu nem sou tão fã da culinária chinesa...

Alessandro disse...

Mas o conto ficou ótimo! :-)

Rafael Mafra disse...

Esses chinas...

Muito bom o conto.

Mas, talvez, nem fossem os chinas...

Abraços!

Anônimo disse...

o novo mestre do terror

um abraço

sem nome disse...

nao tem continuaçao???

Anônimo disse...

tbem queria continuação...