sexta-feira, 20 de julho de 2007

A LISTA TELEFÔNICA

Aconteceu em janeiro, primeiro foi o carteiro que trouxe a lista nova e levou a antiga, assinei o recibo e voltei para os meus afazeres, era terça-feira quente, ensolarada. Preparava uns ovos mexidos antes de sair para o trabalho, olhei para o relógio, tinha tempo de sobra, subi a escada com a lista telefônica e deixei-a em cima do criado-mudo, do lado do despertador. Preparei o café e cerca de vinte minutos mais tarde já estava no ponto à espera do ônibus para o trabalho. Tudo correu normal naquele dia, como era janeiro, a repartição ficara praticamente vazia a manhã toda. Voltei para casa mais cedo e assim que entrei no quarto notei que a lista estava caída ao lado da cama, coloquei-a novamente no criado-mudo, do lado de despertador e desci para a cozinha. Assisti umas porcarias na tv e fiquei de bobeira o resto do dia, já passava das dez da noite quando fui para o quarto, coloquei o despertador para tocar às sete e quinze do dia seguinte.
Preparava-me para deitar quando olhando para o lado novamente percebi que a lista não estava mais onde eu havia deixado, olhei para o chão e nada, procurei embaixo da cama e já começava a achar que estivesse ficando louco. Talvez tenha sido excesso de programas de televisão ou então aqueles ovos mexidos. Pensei. Fui para o banheiro lavar o rosto e quando me dei conta, lá estava ela, perto da escada, quase descendo em direção à sala. Quem sabe eu não a derrubara por acaso, era provável que já tivesse esquecido. Tudo passava pela minha cabeça, evitava a idéia da loucura e principalmente, a idéia de que aquela lista poderia ter uma vida própria. Coloquei-a novamente no criado-mudo, só que dessa vez tive o cuidado de deixar o despertador em cima, se ela acaso se mexesse ou caísse, por certo o barulho me avisaria. Na manhã seguinte o despertador não tocou, resultado, acordei às nove, atrasadíssimo, voei para o banheiro, depois voltei para o quarto, desci correndo as escadas, a tolerância de atraso na repartição era de 1 hora, portanto eu tinha 30 minutos para chegar ao trabalho, praticamente do outro lado da cidade, quando cruzei a sala, carregando a mala em uma mão e o terno na outra deparei-me com a lista telefônica, ali, sentada no sofá, a televisão ligada, um cheiro doce vinha da cozinha, corri até lá, a mesa estava feita para o café, farta com bolachas doces e salgadas, variados tipos de queijo, pão, manteiga, geléia de morango, patê de frango, ovos mexidos, torta de batata, na porta da geladeira, a conta do supermercado, tava tudo no meu nome. Depositei a mala em uma das cadeiras e fartei-me de todas aquelas coisas já não me importando com as horas. Naquele dia não fui ao trabalho, passei a tarde inteira com a lista telefônica, assistimos filmes repetidos, ela gostava daqueles enlatados americanos, dizia serem engraçados de tão óbvios, dávamos risadas, comprei duas garrafas de vinho, ouvi suas estórias, contei as minhas, de noite jantamos a luz de velas, dormimos como dormem dois anjos, a lista telefônica enfim cativara-me por completo. Os dias seguintes foram os mais ensolarados do ano e os mais felizes da minha vida, eu e a lista íamos para tudo quanto é canto da cidade, ela gostava de fazer compras, passávamos horas remexendo as prateleiras dos frios, salgados, vinhos, passei a chamar-la de Brenda. Brenda, meu amorzinho, meu anjinho, minha menininha. Ela ria timidamente e me chamava de Paul. Paul, meu anjo. Ela dizia. Quer outra cerveja? É claro que eu queria. E lá ia ela até o mercado buscar quantas cervejas eu quisesse. Tudo ia bem entre a gente, até aquela maldita tarde de quinta-feira, nisso já estávamos chegando perto de fevereiro, ela saiu de manhã bem cedo para comprar pão, voltou de tardezinha, disse que entrara por engano em uma livraria e o dono a colocara em uma prateleira lá no alto, só conseguiu descer depois que alguém colocou uma escada para revirar uns livros que estavam ali por perto. Depois desse dia ela nunca mais foi a mesma, não parava em casa, saia logo cedo e não dizia para onde ia, voltava com as paginas reviradas, marcas de cigarro, a capa molhada de cerveja. Comecei a suspeitar do livreiro, em uma tarde qualquer enquanto ela não voltava, fui até lá, entrei como um cliente qualquer que procura por determinado livro, o velho estava nos fundos tirando o pó de umas velharias, olhei em todos os lugares, procurei por todas as prateleiras, até conversa com ele puxei depois, e nada. Voltei para casa desolado, já tarde da noite. A minha tristeza foi ainda maior quando entrando na cozinha, acendi a luz e vi aquele recado na porta da geladeira, aquele maldito recado com letras mal escritas, “AMOR, ME PERDOE, SEI O QUE SENTE POR MIM E SINTO-ME TRISTE EM NÃO PODER CORRESPONDER TEUS SENTIMENTOS, NÃO POSSO CONTINUAR TE ENGANANDO, QUERO QUE SEJA FELIZ, MUITO. COM AMOR, BRENDA, SUA LISTA TELEFÔNICA. Mais tarde, quando subi até o quarto notei que o despertador também havia partido.

Um comentário:

Mhel disse...

putz paulinho, vc ta cada dia mais pirado...
tem certeza que vc compra na mesma boca que eu? rsrs
estou fã dos seus textos