quinta-feira, 31 de maio de 2007

Dois textos passados: Jazz I e Jazz.


Jazz I


Era uma fila grande, colossal. Uma espera inimaginável, longa. Pequenos homens e seus capacetes, em seus uniformes azuis sujos de terra, serragem ou graxa, todos operários, aguardando cada um a sua vez.


Dentro, gordo, abastado, um homem, com seus três telefones nas mãos e nos ouvidos, apressado, gritando, bufando, correndo de um lado para o outro, o Patrão.


Corria e muito. Corria distantes destinos e em próprios propósitos. Ia de uma instalação interna que cuspia produtos pela porta de expedição, ao sul, até outro de seus canteiros de obra, ao norte, onde acontecia a edificação de mais um sonho destes que querem tocar o céu. Ia de cavernas e minas que escavavam o buraco fundo do ouro, ao oeste, até os portos do leste, de onde não se pode falar muito, poucos sabem o que acontece por ali.


Corria e muito, para todos os lados sem parar. Corria sempre bufando, atrasado, gritando com seus três telefones nas orelhas.


Certo dia, numa dessas obras tuteladas pelo Patrão, dois operários discutiram por uma bobagem técnica qualquer. Travaram palavras e palavrões. Seus nervos ferveram e os dois resolveram se acalmar. O que bebia demais foi quem sugeriu. O outro, o que sofria do coração, foi quem não se agüentou. O peito doeu, ele quase caiu. Levantou, tropeçou e então sim foi ao chão. Ninguém sabe exatamente se foi antes ou depois dos vinte e três andares caídos que ele morreu.Quase acertou outro operário lá embaixo que, sem susto, acionou o responsável pela seção que, sem dúvidas, correu para avisar o Patrão. Este chegou ao local do acidente tão logo o responsável pela seção pendurou o telefone no gancho.


O Patrão gritou a qualquer um: “ANDA!!! CHAMA LOGO A EQUIPE DE REMOÇÃO!!! VAMOS!! VAMOS!!!”Gritou a outro qualquer: “E VOCÊ??? TÁ ESPERANDO O QUÊ PRA CONTRATAR OUTRO NO LUGAR DESTE??? CORRE!! CORRE!!!


Aquela fila lá do começo andou um passo.


*************


Jazz


E enquanto carregavam o corpo, com o corpo ainda morrendo, ainda vendo e percebendo todos os prédios e todos os carros e todos os palácios e vielas e todas as estrelas e os esgotos e tudo o que passou e o que deveria ter passado e todas as expressões de horror e as outras expressões que não existiam e todas as pás de terra que caíam sobre o próprio corpo, a trilha sonora que tocava era um jazz, um jazz suave. Contando em voz feminina, cantando uma história quase sem graça, mas também sublime.O que tocava era um som sublime e relaxante que contrastava num sorriso de notas musicais com a morbidez dos dias que rolam sempre e à toa.Era a música da vida, ainda.

Com o Danúbio aos pés

Poesia automática para viajantes ou para quem deseja.


estar fora de si

noutro lugar

praga, bratislava, bucareste

transilvânia dos pensamentos

vampiros, não suguem mais

a poesia impossível de ser copiada


há um odor de morte naquele canto

necessário um enxerto de vida

o caos

são paulo new york tokio

paris berlim

os rios todos

reno tejo sena danúbio

paraná são francisco

tudo flui, tudo passa

mas um,

tudo que um quer é...

permanecer.

Ranking de Maio das Drogas Mais Consumidas na Patolândia:

50º - aspirina
49º - benzedrina
48º - cafeína
47º - prozac
46º - silicone
45º - cola de sapateiro
44º - álcool
43º - glicose
42º - heroína
41º - benzina
40º - esmalte
39º - acetona
38º - diazepan
37º - energético
36º - sintético
35º - ecstasy
34º - ácido
33º - antiácido
32º - pastel de feira
31º - acarajé
30º - democratas
29º - paris hilton
28º - crack
27º - papa
26º - bispo
25º - cisto
24º - misto
23º - hóstia
22º - pepsi-cola
21º - morfina
20º - lorax
19º - cocaína
18º - sabor artificial
17º - caça níquel
16º - testosterona
15º - coca-cola
14º - dramin
13º - churrasco
12º - hot dog
11º - pão com ovo
10º - colírio ciclopédico
9º - superficial
8º - virtual
7º - cibernético
6º - enlatados
5º - nicotina
4º - deus e o diabo na terra do sol
3º - gordura trans
2º - telenovela
1º - monóxido de carbono

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Le nom de la mort

Aqui jaz meu corpo ainda vivo, num quarto de hotel. O sangue escorre na memória das últimas horas. Sinto seu gosto na garganta, sufoca-me. Mas estou sem forças para morrer.
Eu poderia ter clamado piedade, um tiro de misericórdia. Mas a arma que me cala é arma branca, como era branca a pele do meu seio que vejo trucidado.
Vinte e tantas primaveras e acho que a morte já me vem tardia. Uma vida sem regras termina cedo. É selada com sangue. Faz parte do jogo daqueles que teimam em viver. Não reclamo, eu quis assim. Preferi as noites em claro à claridade do dia. Quis o copo, a fumaça, o risco. Abdiquei do direito à saúde, à morte natural.
Sempre temi a morte natural, deve ser horrível! Sair da vida com ordem de despejo, como se o próprio universo já não suportasse sua presença. O fim, durante o sono, indolor, sem explicações, foi feito para os fracos. Eu bem sei o que posso suportar. Não verei filhos crescidos, nem netos, nem viverei o suficiente para ser um estorvo. E ainda assim, serei lembrada.
Sinto dor, mas não quero gritar. Queria perder a consciência, mas algo me mantém lúcida para o que há de vir. Todo sangue do meu corpo já se perdeu e a morte não vem. Não vejo anjos, não vejo deus, não vejo o filme da minha vida, nem tenho calafrios, apenas dor.
Ele parecia tão gentil...
Nunca se sabe quando o escolhido para romper sua história estará presente. Eu nem percebi. Sempre confiei naqueles com quem dividi a mesma cama. Pareciam que quando despidos, não havia o que esconder, tornavam-se homens, nada mais.
Hoje não foi diferente, quando vi o punhal e seus olhos me perfurando, tudo que senti foi calor. Um calor de quem se entusiasma diante da novidade. Não consigo lembrar seu nome. Segurou meus cabelos com toda sua ira e mordeu meus lábios, foi um beijo. Meu último beijo.
– Se queres tirar minha vida, que saibas fazer com classe! – intimei, ainda sorrindo, ao que parecia ser um jogo. Era um jogo. Mas o primeiro golpe mostrou que não havia regras.
Sem regras, como toda a minha vida.
Senti a dor do meu seio rasgado e caí. Não pedi socorro, não chorei. Não quis recusar a morte, gentilmente oferecida. Não lembro seu nome e até sua imagem surge distorcida.
Penetrou-me bruscamente, como se não bastasse minha dor. Quando senti meu ventre invadido, esqueci por um instante que do meu peito jorrava sangue e gozei do meu último prazer. Os prazeres da carne que precede o fim é privilégio de poucas. Gritei e só fiz isso porque senti a excitação que meu pânico lhe causava. Não decepcionei. Ainda sinto o forte cheiro do seu corpo, eu só queria lembrar seu nome.
Vestiu-se calmamente, enquanto o que de mim sobrava rastejava pelo quarto. Pensei que ouviria explicações, mas não disse uma só palavra. Foi embora, não olhou para trás.
Premiada com a tragédia, serei notícia. Alguns amigos darão depoimentos e citarão belas palavras em meu enterro.
Com que foto minha estamparão os jornais de amanhã? Espero que com a minha preferida, de um tempo que parecia feliz.
Não sinto mais meu corpo, está tudo dormente. E minha cabeça não adormece. A morte não veio. A diária venceu. E eu não quero ser encontrada com vida. Quero a morte solitária num quarto de hotel como num filme europeu.
Ouço gritos, ouço sirenes, ouço portas baterem. É uma desgraça eu ainda ter os meus sentidos. Ouço passos virem ao meu socorro. Malditos que não deixam os quase mortos em paz. Fecho os olhos, quero estar morta, mas a pulsação me entrega ao carrasco. Os heróis me salvam como num filme americano: sobrevivente, mutilada, estorvo.
Não, minha história termina aqui ou nunca mais terei chance de tão belo desfecho. E quanto à maldita morte que ainda não veio, espera que me leve esta noite para que eu não tenha que ir buscá-la. E buscarei, se preciso, assim que lembrar seu nome.

Verso de Postal...

...que a paz e a calmaria floresçam em seu caminho
seja você um dedicado ou um desleixado
esteja você tomado de toda a apatia do mundo
ou coberto da mais terna loucura & certeza
que não te falte nunca as flores (mesmo as colhidas)
e que a candura se manifeste todos os dias nos quintais da sua rotina (sempre mutável)
que o sorriso brote fácil e espontâneo em seu rosto
e que os seus amigos estejam sempre por perto
prontos para oferecer ombros, mãos, abraços, cervejas, cigarros
e que você também esteja pronto...sempre
pois a vida é muitas vezes incerta e injusta
mas compete a você (e a mais ninguém) escolher a intensidade da sua vertigem
nesses giros incertos, desvios concretos e fugas.

Os Três Acordes do Blues...

Tem um blues rural me acompanhando desde manhã bem cedo
estendendo seus acordes por toda a paisagem de ontem
minha cabeça martela a parede
desse seu intransponível sono de concreto
minhas palavras não te perfuram a carne
como a agulha perfura o seu braço
tem um cara dedilhando uma guitarra desplugada na varanda
onde o meu coração tantas vezes tombou bêbado & confuso
pintei um sol na parede do quarto
mas só passei pra dizer que te amo...

terça-feira, 29 de maio de 2007

Confissões Ferroviárias

Já fui surfista de trem, saca a minha testa? Foram as mesmas cabeçadas no mesmo fio que me detesta.
Já fui o velho espancado ao entrar no vagão lotado espremido. Fui o bilhete nas mãos: molhado, amassado e vencido.
Na bilheteria assaltada, eu fui a catraca pulada e a pomba assassinada nos trilhos. Já fui trilhos e sim! Todas aquelas guimbas foram atiradas em mim.
E de pensar que eu fui a porta sempre aberta do vagão, mas por distração, fui a maldita crianca que caiu no vagão, que na disputa dos assentos, na violência, ninguém notou sua ausência.
Eu quis ser o grito! Do vendedor arretado, do crente alienado, do punk aflito. A baldeação capaz de mudar o destino. Mas fui ser as balas de goma nas mãos do menino. E ser o doce desse menino não foi de todo um mal.
Pois é, eu já fui cinco por um Real.
Fui o chapéu que voou com o vento do trem que passou. Mas fui também a certeza de que ele não parou porque não era o meu trem.
Fui quem embarcou primeiro e fui até o fim da linha. Fui a ilusão que eu tinha de nunca ser passageiro.
Já fui a espera do trem derradeiro que me levasse embora. Fui! Não sou mais agora.
Quando ele passa eu já não pego, mas a viagem continua. E na verdade, nua e crua, eu sou a bagagem que carrego.
Sou a paisagem que vier, a miragem de uma mulher qualquer que abandona a estação, cantarola uma canção...
E vai a pé!

CORPORAÇÃO ROCK AND ROLL

O cara atirou a guitarra bem longe, lá pros fundos do palco e bateu cinco vezes a cabeça no amplificador até que o sangue começou a esguichar como se fosse porra. A multidão aplaudia e imitava.
O baixista (com um cigarro no canto da boca) ainda tocava o seu instrumento – era o último. O baterista tinha caído fora meia hora antes com uma groupie e seus braços marcados.
O empresário comentou preocupado com um de seus assessores:
- Esse maldito filho duma cadela nunca mais vai conseguir compor uma linha.
- Temos uma sala cheia de compositores de borracha. - O tal assessorzinho-de-merda tentou tranqüiliza-lo.
- Desligue a chave geral! - Ordenou o comandante mor da gravadora gigantescamente multinacionalizada
E as luzes foram apagadas e a multidão incontrolável subiu no palco e invadiu os camarins enquanto o baixista ainda tocava (a essa altura o cigarro da sua boca já havia apagado).
O guitarrista subia nas caixas de som e saltava de cabeça no chão.
- Nós queremos canções de amor!
- Nós queremos canções de amor!
- Nós queremos canções de amor!
Cinco ou seis menininhas gritavam horrorizadas esvaziando os extintores enquanto yuppies japoneses disfarçados de hells angels botavam fogo nas cortinas.
A policia chegou logo e levou cerca de vinte pessoas em cana, os outros saíram em fila indiana e foram conduzidos até a Fábrica de Arames Farpados.
O empresário ligou as sete da manhã para a casa de espetáculos perguntando pela sua banda.
- Tem um cara lá no palco estirado como se estivesse morto. - Comentou a atendente.
O corpo de bombeiros e toda a comitiva da MTV apareceram meia hora depois com holofotes e máquinas fotográficas imensas à procura de informações do Último-Grande-Idolo-Adolescente-Ou-Algo-Assim.

NOTA DA GRAVADORA PARA A IMPRENSA:

Lamentamos informar senhores, mas o sujeitinho amalucado não sofreu nenhuma overdose e tampouco tentou suicídio. Não passa de uma gripe repentina, já tomamos as devidas precauções com antibióticos e analgésicos, portanto fiquem tranqüilos, embora vocês não tenham uma grande manchete para o seu jornalzinho-de-meia-
tijela – parece que continuaremos com o velho entretenimento para nossas crianças acéfalas nas próximas semanas.
Atenciosamente,
Senhor Pastiche.

RELATOS DE UM ROCK STAR APOSENTADO CERCA DE VINTE ANOS MAIS TARDE:

- Eu me lembro bem desses encontros, ficávamos horas e horas conversando e fumando baseado, era um atrás do outro e às vezes pintava um troço desconhecido e a gente entrava de cabeça, não tínhamos muita coisa a perder (pelo menos era o que a gente pensava), foi uma grande época, liberdade era o nosso lema, quebrávamos televisores e telefones públicos, espancávamos as groupies e depois dávamos uma grana preta para que elas não abrissem o bico, evidentemente que em certas ocasiões isso não era possível de modo que encarávamos uma ou duas semanas com insuportáveis crises de abstinência atrás das grades até que o nosso empresário aparecesse do nada com uma mala cheia de verbos e tirasse seus-pequenos-moleques-delinquentes dali.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Em branco e cinza.


Pelos Infernos! Que tipo de coisa é essa? O relógio desperta. O susto é pequeno e eu já esperava a pancada na cabeça do teto do beliche. No andar de cima as roupas lavadas, e as sujas também. É manhã fria, segunda-feira. Parado no centro do quarto converso qualquer coisa em voz alta com as paredes e o guarda-roupa, pois não há nem ninguém que escute. Mais alguns minutos observando e tentando entender o que está acontecendo. Naturalmente sigo meus passos desnorteados pelos corredores e sala e cozinha, procurando algum objetivo, qualquer um, e acho que estou quase acordado. Caminho ao banho, mas antes as roupas. Uma gaveta bagunçada, pilhas de rádio, papéis, algum dinheiro, moedas, documentos, manuscritos, camisinhas, maços de cigarro vazios, propagandas que me entregaram nas ruas sobre dentistas, mães-de-santo, prostíbulos e bares, contas atrasadas, boletins de ocorrências policiais, um bibelô subtraído da casa de um chato, três agendas de duas décadas atrás, um sabonete e uma garrafinha, dessas de whisky, daquelas que os caras durões arracam infinitos tragos do bolso do casaco nos filmes em preto e branco quando recebem um fora daquelas maravilhosas loiras de lábios carnudos e vermelhos. A garrafa está vazia. Não há roupas por ali, deve ser a gaveta errada. As camisas talvez estejam na outra. São todas pretas, assim como as calças. Meus sapatos e meias também o são, e se não fossem teriam cor de pés pisados. Demoro um pouco a escolher o traje, fico em dúvida sobre qual usar... ou talvez esteja dormindo novamente. Às segundas-feiras prefiro usar preto e não conversar com ninguém, a não ser as paredes e o guarda-roupas e o chuveiro. O banho gelado não é culpa da eletricidade, outro dia uma garota estourou essa coisa. Não era loira, mas ruiva e tinha os lábios vermelhos e carnudos. De qualquer forma, era manhã, e eu não queria mais nada com ela e a desgraçada estourou meu chuveiro. Mandei-a embora Logo!, Desgraçada!, Não me apareça mais com essa sua cara por aqui!. E agora eu grito com o chuveiro, com as paredes, com o pequeno armário da velha escova de dentes velhos, com a água gelada e com a segunda-feira e até pulo de tanta raiva e frio e, Que droga!, esqueci a desgraça do sabonete na gaveta outra vez. Esse tipo de coisa talvez tenha seu lado bom... telvez eu saia iluminado deste banho gelado... Talvez n'outro dia. Preencho meus bolsos com identificações, chaves, lembretes, talvez sobre alguma grana pra tomar alguns tragos mais tarde, e quase enfio meu café da manhã no bolso também, considero que com essa hora de viagem chegarei atrasado no expediente, outra vez, jogo os três comprimidos na boca e um gole de água direto da torneira, está feito o desjejum, agora só na janta. Estou saindo e ouço o despertador novamente. Olho pro relógio de ponteiros na parede que, aquele sim, nunca mente. A eletricidade deve ter cambaleado durante a madrugada, desregulou meu digital da sharp. Falta apenas uma hora e meia pra acordar. As paredes, o guarda-roupas, o armário, o chuveiro, nenhum deles avisou. Eu com uma hora e meia sobrando na vida, que no sono não vale nada. O digital, da janela do quarto vai morrer no telhado do vizinho. Sento no sofá e olho pra tv desligada, ali estou mais cinza. Amanhã eu apareço. Faço mais falta aqui do que lá.

Leve.


Devagar. Os olhos nela a noite inteira e os dela respondendo antes dos meus. Numa hora, já depois de ter ido embora, voltou e deteve-se diante de mim:
- Voltou?
- Sim.
- Bom.
- Não sei.
- Por quê?
- Por conta dos seus olhos.
- Desculpe, mas acho que nem reparamos em olhos até agora.
- Por isso mesmo.
- É Janis, esse som. Janis Joplin.
- E voltei justamente por isso.
- Antes era Aretha.
- Voltei por não ter visto seus olhos...
- ...nem os meus...
- ...por isso mesmo...
- ...aos teus.
- E...
- De onde é?
- Do mesmo canto que você.
- Eu já sentia que desafinávamos nos mesmos lugares.
- Por isso mesmo.
- Que voltou?
- Queria ver seus olhos.
- É sempre bom olhar os olhos.
- Então voltei.
- Então sou nome de sobrenome, mas pode me chamar de apelido.
- Como queira.
- Sou eu mesmo. Tenho algum curso superior, gosto de pintar quadros em letras, Janis Joplin, Aretha Franklin e Ella Firtzgerald me agradam, tenho emprego fixo, público, estável, publico os quadros que escrevo, gosto muito dessa bebida, converso com os senhores, os professores, creio essencial essa coisa que falta em tanta gente, o olhar nos olhos, o sentir as pessoas que estão ao lado, registro tudo em quadros de palavras, e o quê?
- Gosto muito, mas não é a primeira vez que escuto essa música. Prefiro Coltrane.
- E quanto a você, diga.
- Diga você, olhos.
- Seu olhar pequeno, detalhista, provavelmente condenou meu cigarro, o seu nariz. Seu jeito simples, a voz baixa, quase culpada de quase nada. Seu ir embora e voltar. A inquietude que sua censura permite sobreviver. Gostar de ter voltado, muito obrigado! Eu nunca disse nada assim antes. Que acha? Diga você.
- Continua.
- Tenho medo de dizer coisas a mais ou a menos.
- Não tenho medo.
- Gostaria de te escutar dizer.
- Não sou nada de mais.
- Teus olhos já antecipam este pensamento, mas nenhum de nós, nem ninguém, é coisa alguma.
- Estou apenas aqui. Estou por que estou.
- Todos nós estamos, diga.
- Sim. Voltei pelo teu olhar e não me arrependo das tuas palavras. Sou eu. Olho tudo em volta e só olho. Observo tudo o que acontece e só observo. Não tenho assim tantas palavras. Além disso, sei que não preciso te dizer nada disso.
- Talvez sim.
- Sei.
- Sem nenhum beijo, por favor! Gostaria de adiar este momento até o infinito.
- Sei. Eu também.

Horizonte

Um poeta faz seu debut aqui com um conto.

Horizonte

Mônica olha para um horizonte que lhe reserva surpresas.

Vê o azul do céu que se impõe ao cinza dos grandes prédios da cidade que escolhe agora. É um sonho, mas é verdade também.

Ela tem planos e uma idéia incompleta, porém muito excitante, do que fazer. O mais valioso do que carrega consigo é a vontade de não se repetir. É isso. Não voltará a ser a mesma. Jamais, jamais.

Por isso, dá adeus a antigas músicas, vícios que a derrotaram, virtudes vencidas, gente que a acompanhou de batalha em batalha, amores que não foram e, sobretudo, àquela outra Mônica que deixou no quarto escuro.

Olha para um horizonte que lhe reserva surpresas.

Ela não quer virar estátua de sal. Agora só olha para a frente.

Cenas cortadas das novelas

Memorial da rua sem saída.

Durante o tempo em que escrevo, minha cabeça alaranjada derrete como margarina e escorre pelo chão de madeira do escritório onde o telefone não toca,
Fiquei te esperando enquanto milhares de anjos sujos voavam em volta da luz de um poste que eu havia erguido para me servir de estrela em outras noites, bem frias....
Folhas de alface fossilizadas no fundo da geladeira com a porta aberta – congelando,
Noite morna como nunca imaginada – não há nada aqui fora, não há nada lá dentro.
Um velho tenta varrer toda a ferrugem da calçada -
Carros azuis em tons foscos estacionando fumaça & mulheres de silicone e seus filhos com cérebros de fliperama....
Enquanto invento mil estórias falsas de amor para serem publicadas em folhetins de faculdades branco-e-pretas-sem-graças com seus cursos de advocacia e o diabo à quatro.
A noite cai como se fosse tinta preta sobre nossas risadas amarelas, e os prédios abrem seus olhos mortos animados por vacilantes lâmpadas chinesas atrás de cortinas coloridas com estampas tropicais e coisas sem nexo assim....
O dia deslizou ralo abaixo e a geladeira escorreu pelo chão,
Tentei esticar minha língua e matar a sede e matar a saudade e matar o tempo e matar e matar e matar... até (quem sabe) curtir a minha vida mais ou menos.
Não há resquício de otimismo que saia de dentro da minha boca bocejante,
Nas ruas – gente de todos os semitipos com seus dedos de controle remoto - num patético vai-e-vem inútil... como se tudo fosse tão sério e urgente
E eu que pensava que escrever era ócio.

Antes mesmo da passagem de som...

...um
...dois
...três -

...testando.

...um
...dois
...três -

...testando.

...ssssssom - sssssom - sssssom - ssssssom - ssssssom.

...um
...dois.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Pronto, pari!

E agora? Quem vai criar esse rebento?