segunda-feira, 28 de maio de 2007

Leve.


Devagar. Os olhos nela a noite inteira e os dela respondendo antes dos meus. Numa hora, já depois de ter ido embora, voltou e deteve-se diante de mim:
- Voltou?
- Sim.
- Bom.
- Não sei.
- Por quê?
- Por conta dos seus olhos.
- Desculpe, mas acho que nem reparamos em olhos até agora.
- Por isso mesmo.
- É Janis, esse som. Janis Joplin.
- E voltei justamente por isso.
- Antes era Aretha.
- Voltei por não ter visto seus olhos...
- ...nem os meus...
- ...por isso mesmo...
- ...aos teus.
- E...
- De onde é?
- Do mesmo canto que você.
- Eu já sentia que desafinávamos nos mesmos lugares.
- Por isso mesmo.
- Que voltou?
- Queria ver seus olhos.
- É sempre bom olhar os olhos.
- Então voltei.
- Então sou nome de sobrenome, mas pode me chamar de apelido.
- Como queira.
- Sou eu mesmo. Tenho algum curso superior, gosto de pintar quadros em letras, Janis Joplin, Aretha Franklin e Ella Firtzgerald me agradam, tenho emprego fixo, público, estável, publico os quadros que escrevo, gosto muito dessa bebida, converso com os senhores, os professores, creio essencial essa coisa que falta em tanta gente, o olhar nos olhos, o sentir as pessoas que estão ao lado, registro tudo em quadros de palavras, e o quê?
- Gosto muito, mas não é a primeira vez que escuto essa música. Prefiro Coltrane.
- E quanto a você, diga.
- Diga você, olhos.
- Seu olhar pequeno, detalhista, provavelmente condenou meu cigarro, o seu nariz. Seu jeito simples, a voz baixa, quase culpada de quase nada. Seu ir embora e voltar. A inquietude que sua censura permite sobreviver. Gostar de ter voltado, muito obrigado! Eu nunca disse nada assim antes. Que acha? Diga você.
- Continua.
- Tenho medo de dizer coisas a mais ou a menos.
- Não tenho medo.
- Gostaria de te escutar dizer.
- Não sou nada de mais.
- Teus olhos já antecipam este pensamento, mas nenhum de nós, nem ninguém, é coisa alguma.
- Estou apenas aqui. Estou por que estou.
- Todos nós estamos, diga.
- Sim. Voltei pelo teu olhar e não me arrependo das tuas palavras. Sou eu. Olho tudo em volta e só olho. Observo tudo o que acontece e só observo. Não tenho assim tantas palavras. Além disso, sei que não preciso te dizer nada disso.
- Talvez sim.
- Sei.
- Sem nenhum beijo, por favor! Gostaria de adiar este momento até o infinito.
- Sei. Eu também.

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