terça-feira, 7 de agosto de 2007

O CAMINHO DE CONCEPCIÓN - I

A gente fazia assim, primeiro eu entrava na loja, nisso o Serginho já tinha desparafusado a grelha do ar condicionado que ficava perto do chão, nos fundos. Eu entrava como quem não queria nada e zanzava pelos corredores, o Gustavo vinha e pedia algum tipo de informação para o carinha que arrumava as prateleiras e que era uma espécie de segurança do lugar, enquanto ele tava lá distraído, o Serginho entrava e passava alguma coisa barata pelo caixa, tipo uma barra de chocolate ou uma revista qualquer, então eu apanhava a caixa com as 12 latinhas de cerveja e deslizava pelo buraco da grelha até o lado de fora da loja, nesse dia consegui passar cinco caixas enquanto o Gustavo e o Serginho cuidavam do segurança e da balconista. Depois nos encontrávamos no posto de gasolina ao lado. Enquanto eu dirigia à caminho da casa da Karina, onde a gente tava pensando em rolar uma festinha surpresa com umas meninas, o Gustavo tirou do bolso interno da jaqueta, seis barras de chocolate, o Serginho tinha apanhado umas notas do caixa enquanto a menina virara para o outro lado, esse era outro truque antigo, depois que eu passava as caixas pelo buraco, nos fundos da loja eu ia então até o outro lado, o lado oposto do caixa onde ficavam umas tranqueiras penduradas, uns óculos de sol baratos, bronzeadores, a típica parafernália para banhistas, derrubava alguma coisa no chão, alguma coisa que fizesse barulho, e o Serginho metia a mão em todo o dinheiro que conseguisse, no tempo em que a menina do caixa virava a cabeça para o outro lado. Contabilizamos o lucro: 60 latas de cerveja, o suficiente para uma tarde inteira de sol. Chocolate para agradar as meninas e dinheiro que dava para encher o tanque do carro e ainda apanhar a mercadoria com o Boliviano. Aceleramos em direção ao norte, no caminho ficava uma fazenda com uns pés de milho, paramos, o Serginho foi na frente, o lugar era todo cercado, tinha umas câmeras espalhadas, conhecíamos, porém, a parte mais afastada de onde ficavam os seguranças. O Serginho ia na frente com um saco de pano em cada mão, o Gustavo correu até determinada parte da cerca e cortou com um alicate, acelerei o carro outra vez, pela estradinha de terra, quando encostei, colocaram os dois sacos cheios de espigas de milho no porta-malas, entraram correndo. Ouvimos latidos de cachorro e o alarme que os seguranças ativavam toda vez que nós os saqueávamos. Pegamos novamente a estrada. Passamos na casa do Boliviano, e pra variar, ele não estava. A menina que atendeu a gente devia ter uns 12 ou 13 anos no máximo, nos contou qual era o bar que ele andava freqüentando, fomos até lá, quero dizer, eu e o Serginho, o Gustavo ficou com a menina e uma garrafa de uísque paraguaio. Chegamos no bar e encontramos uma velha que devia ser a dona do lugar, nada do Boliviano, em compensação umas menininhas vieram puxar conversa com a gente, tinha uns quartos no fundo, a velha queria que eu fosse para lá com duas das meninas, escolhi três, paguei adiantado. Enquanto o Serginho emborcava todo o estoque de vinho do bar, uma menina veio e se sentou no seu colo. Dois sujeitos mal encarados jogavam sinuca. Entrei em um daqueles quartos dos fundos, eram bem arrumados e limpos, de lá era possível ouvir a música que tocava no rádio, música brega-sertaneja, também dava para ouvir a menina rindo alto enquanto o Serginho contava umas piadas sem graça, ouvia o barulho dos tacos, dos copos. Tirei a camisa e deitei de costas na cama, as três meninas deitaram comigo, passávamos uma garrafa de uísque de mão em mão. Pensei no Gustavo, no Boliviano, na Karina, nas amigas da Karina. Ah, grande merda. Nem bem anoitecia, ainda. Coloquei a mão debaixo do vestido de uma das meninas. Era melhor do que eu pensava.

4 comentários:

Mhel disse...

Furto, drogas, prostituição e pedofilia...
Em nome da moral e bons costumes que regem nosso blog, precisamos banir esse escritor.

RECICLADOS ARTÍSTICOS disse...

APARIÇÃO

Comíamos: tainha assada na brasa, arroz integral, farinha de mandioca, caldo de peixe, folhas de rúcula.

A cozinha declinava para o quintalão submerso na folhagem espessa de uma idosa jabuticabeira. Divisava-se parte reduzida lumiada do quintal, fronteiriça ao vão da porta entreaberta. A área sobrante bosquejava insinuando perdendo-se nos meneios das dunas vegetadas.

Não conversávamos. Destrinchávamos a tainha e suas impressões. Misturávamos arroz com o dourado da sua ova. Com a farinha de mandioca e o caldo da cabeça. Adicionávamos um bocado do peixe, da banana verde assada. Saboreávamos sua carne desmanchosa na boca, o ardido das folhas, acompanhado de talagadas de pinga de alambique.

Ao canto próximo a porta a cadela lambiscava 4 filhotes. No beiral da janela cochilava o gato. Lagartixeava a lagartixa no teto. Lambuzava-se num mamão maduro o jabuti abaixo da pia. Acima da geladeira um buquê de rubros hibiscos aromatizava-nos. Ao redor de todos nós, silêncio pesado, instalado e tranquilizador de calmaria. Cada criatura, cada ser, acomodado dentro de sua natureza, realizava ritual semelhante ao nosso.

Um carro-de-boi rangia...

O dia fora recheado de caminhadas por trilhas em morrotes atrás de frutas que se davam àquela época do ano. Recheado de banhos nas pequenas quedas d’água. Em tanques naturais que se juntavam após chuvaradas. Recheado de calma, paisagens, pios de passarada, frescor de alísios preguiçosos, chiares de folhagens que se davam a cada curva, a cada cume, nos baixios, ao entreabrir da mata cipoada.

Em meio aquele ambiente comunitário de completa serenidade de estado de espírito que emanávamos, fruto do dia ocorrido e pelos efeitos frugais da refeição que desfrutávamos, encontrávamos-nos dominados, servis de certo modo, um tanto alheios a nós mesmos e ao mundo acercado, quando percebemos, cada um a sua maneira, o vulto indefinido de trotar tateado que assomava em direção a porta.

A quietude que nos permeava tremelicou por instantes. Não nos assustamos a ponto de trauma. Não descarregamos um grama de adrenalina. Um estado vertiginoso foi nos tomando enquanto a sombra delineava-se avolumando, até a figura de uma enorme caititu brotar em meio ao esfumado que a precedia.

Com parte do corpo adentrado a cozinha, luminosidades difusas intercadentes fluíam de suas formas. Era roliça, movediça, rósea, rala, risível, instável. Olhava-nos com uma longínqua familiaridade examinando sem demonstrar estranheza, surpresa ou temor. Não nos farejava. Do éter que ali pairava tomava ciência e usufruía. Do mesmo modo, ignorava-nos sem a mínima repulsa ou intenção de fazê-lo. Sua furtividade de movimentos que ensejava, pasmava-nos suavemente para em seguida, confundir-nos no efeito ótico iridescente que refletia, e seu rosto, pernas e pés se apresentavam de perfil, o corpo e os olhos de frente, como antigas figuras egípcias.

Fossou as sobras da cadela, do felino e do jabuti, sorvendo-as em delicadas abocanhadas. Aspirou aos odores da mesa, parece que nada lhe agradou. Bebeu água da lata de goiabada produzindo um ruído de trote de cavalo. Esquadrinhou a casa por um momento de ínfima curiosidade. Recompôs-se. Lançou-nos uma sensual piscada e foi-se rumbando um Ruben Blades qualquer, desaparecendo nos maneirismos com que surgiu, em meio a sua própria fulgência e eflúvios almiscarados.

... Resquícios do evento permaneceram qual um espectro ardendo durante alguns minutos na área... uma friagem nos incomodou...

Entreolhamo-nos: nós, gato, cadela, filhotes, jabuti, lagartixa e hibiscos. Indagamo-nos arrebatados e mudos, intuindo de antemão que nenhuma resposta lógica, coerente ou definitiva, afloraria de qualquer dos presentes ou dos onipresentes. Sua figura refulgida, imprevista, impressionável, de vertiginosa discrepância, dispensava conclusões razoáveis. Instantes depois, cada ser, cada elemento, tornou ao ritual anterior procurando refúgio nas compreensões conhecidas e razoáveis...


Messiano

Tatit disse...

bom o texto. tu escreve bem, moço!

eu fui lendo e quando acabei, voltei lá em cima pra ver qual era mesmo o título. e num lapso, numa confusão rápida li "O CAMINHO DE DECEPCIÓN - I" rs.

beijos pros profanos com ph.

Anônimo disse...

f.o.d.a!!