quinta-feira, 27 de março de 2008

O CAMINHO DE CONCEPCIÓN - V

O Gordo tinha uma irmã que volta e meia aparecia lá em casa na época em que eu ainda morava com os meus pais. Eu andava procurando um lugar para morar e ela sabia disso, por isso fomos um dia até a casa de uma tia do Serginho, a Thaís (acho que era esse o nome da irmã do Gordo, não lembro direito) havia comentado sobre uns quartinhos bem simpáticos pra alugar, e além do mais o lugar parecia bem tranqüilo, do tipo que eu andava procurando pra descansar um pouco, depois de três anos seguidos indo de um lado para o outro com o Serginho e o Gustavo, eu havia decidido de uma vez por todas, que Concepción não servia mais pra mim. Era uma tarde de quinta, se não me engano, fomos na Kombi do Gordo, um amontoado de latas caindo aos pedaços, descemos uma estradinha de terra, toda esburacada, a Thaís tava no volante e não parava de falar, éramos só nós dois naquele entardecer silencioso e nublado. Quando chegamos na tal casa que ela havia falado, um moleque pequeno, de uns seis anos no máximo, veio correndo abrir a porteira pra gente, a Thaís deu uma buzinada pra ele, tinha uma porção de galinhas e cachorros correndo por ali, a casa ficava logo em frente, e quando estacionamos o carro, a família inteira já tinha vindo nos receber, era um lugar bastante simples, de modo que eu me apaixonei por ele logo de cara. A casa principal era grande, com cômodos enormes, preenchidos por camas ou sofás, não havia aparelhos eletrônicos, nem fogão elétrico, então a dona da casa nos levou até os quartos separados, pareciam bem confortáveis e o melhor de tudo era que as janelas davam vista para o rio que passava a meio quilometro dali. O lugar todo era um deposito de areia, eles extraiam a areia do fundo do rio com uns canos engraçados e a areia ia acumulando atrás da casa principal formando uma verdadeira montanha que eu, a Thaís e o menino, a quem ela chamava por um apelido qualquer, tipo Soró – alguma coisa assim - decidimos desbravar. Lembro que escalamos aquela montanha de areia quando o sol já tinha se escondido em algum lugar adiante, o menino pulava e saltava de um lado para o outro, subindo e descendo a montanha, com uma cadelinha preta latindo e correndo, brincando junto com ele, ficamos assistindo aquilo por um tempão, a Thaís tava até meio chapada de alegria por mim, por eu ter gostado do quarto e tudo, ela tinha um coração imenso, e pena que nos vimos poucas vezes depois disso. Mas naquela tarde só existiam a montanha de areia quase engolindo a casinha que agora parecia bem pequena, lá embaixo, o rio passando do outro lado e as janelas dos quartinhos. Apontei para a última delas, aquele seria o meu reduto por tempo indeterminado, falei. E a Thaís deu uma risada comprida e gostosa quando o menino tropeçou e desceu escorregando e rindo pela montanha de areia e a cachorrinha com a metade das patas afundadas, latindo e abanando o rabo. Enxerguei a fumaça que saia da chaminé da cozinha, lá embaixo – Estão preparando o jantar – ela disse – sentíamos o cheiro do rio e da areia misturar-se com o cheiro do mato no vento que soprava nos nossos rostos, não tínhamos nada com que nos preocuparmos, pelo menos por agora.A Kombi detonada do Gordo embaixo de uma figueira, onde alguém tinha armado uma rede. Pensei sobre os lugares que eu havia rodado para chegar até ali. Sobre todas as estórias e etc e conclui que nada tinha sido ruim, e que todos os planos anteriores, mesmo quando deram terrivelmente errado, tinham, afinal de contas, me levado para aquela montanha de areia, e eu estava feliz por isso. Então tudo bem. Foi ai que ouvi a Thaís dar outra risada, era a tia do Serginho que apareceu no terreiro gesticulando para a gente que a janta tava pronta, e o garotinho continuava dando suas cambalhotas malucas na areia.

Um comentário:

Rafael Mafra disse...

Cacete, Paulo!
Gostei pra caramba desse!

E às vezes a gente nem percebe essas coisas...

Abraços!