segunda-feira, 24 de março de 2008

Momentum (in extremis, in fieri).


Um conto antigo, já. Pra relembrar algumas coisas, em três partes.
***

Momentum (in extremis, in fieri).

Parte I - Introdução

O hospedeiro


Ele: Homem; 26 anos; solteiro; habitante solitário de um apartamento médio na região central de sua cidade; trabalhador bem remunerado.

Ele abriu os olhos e, vagarosamente, a luz que lhe atingia a retina foi tornando possível a identificação das coisas à sua volta. Via o teto de seu quarto e um pedaço do guarda-roupas. Fechou os olhos novamente, pois não queria acordar, era muito cedo. A imagem que se formou na parte interna de suas pálpebras era a mesma velha imagem que, durante toda a sua vida, vinha se estampando naquele lugar. Estava fora de foco e obscurecida pelo tempo ou pelo esquecimento. Podia ser a recordação de algum lugar pelo qual tinha passado há muitos anos ou durante toda a sua vida. A verdade era que ele via aquilo por tão pouco tempo, que não conseguia se lembrar o que era exatamente. Incomodado com isso decidiu não dormir mais. Levantou-se e foi fazer coisas do dia. Tomou café. Assistiu ao jornal da televisão. Sossegado, estava satisfeito com o início de suas férias. Mesmo assim resolveu colocar o trabalho em dia. Desligou a tv e tocou um cd novo que, pro seu espanto, tinha uma música muito familiar. Um Rock suave com elementos eletrônicos e uma batida descompassada mas gostosa. Era algo diferente, como se o compositor não tivesse dado ouvidos a nada mais além do sentimento. Nada de métrica ou harmonia estudadas em demasia. Nada disso, embora fosse algo muito inteligente. O fato era que os componentes sentimentais chamavam mais a atenção do que qualquer outra coisa naquela música. Trabalhou ao som daquele cd e depois descansou. Almoçou e resolveu dar um tempo. Começou a mexer nas suas caixas empoeiradas que ficavam em cima do guarda-roupas e debaixo da cama. Estava procurando pelo seu passado. Poderia passar dias ali, relembrando as coisas que importavam: seus estudos, sua adolescência, seus erros, seus acertos. As namoradas, as poesias, as teorias, as curtições, as culpas, as desculpas, as drogas, o futebol, os amigos, as drogas, a independência de tudo, as drogas... Ele quase se arrependeu de ter se lembrado delas, mas não chegou a isso. O que mais sentiu foi saudade. E deu risada pela falta de vergonha na cara. Pensou no fumo, nas bebidas e nos seus efeitos. Depois fixou seus pensamentos profundamente numa outra droga. Somente ele sabia como ela era, como usar e quais os efeitos. Somente ELE sabia. E, pensando um pouco mais, percebeu que tinha saudade apenas dela. Era algo sublime. Deixava-o num estado de percepção aguçada e estranhamente prazerosa, mas de uma forma diferente de qualquer outra. Suspirou de saudade e ficou com essa idéia na cabeça. Não por muito tempo, é claro. Quando deu por si já tinha revirado metade de suas tralhas em busca da momentaneamente necessária droga. Há anos que ele não usava, mas tinha alguma quantidade em casa. Quando olhou para aquilo em suas mãos, sentiu euforia e medo. Iria usar daquilo como só ele sabia e como nunca antes. Dois, três e mais alguns tragos e o efeito aparece. Fica tonto e percebe que não é a mesma viagem de antigamente. Consciência e equilíbrio em excesso. Precisava de mais. E outros tragos se foram. E ele mais feliz. E mais tonto. E mais trago. Até que viu que tinha alguma coisa errada. Não sabia exatamente o quê. De repente, um pico de consciência trazendo junto uma montanha de tontura e ele cai no chão. Nada! Era exatamente o que ele via e sentia, durante algum tempo indeterminado: horas, meses, anos...?

Continua...

Nenhum comentário: