segunda-feira, 20 de agosto de 2007

ESTÓRIAS INFANTIS

Quando Jesus Cristo era punk e todas as mães eram junkies, quando aparecer na igreja aos domingos de manhã era coisa que só os malucos tinham coragem de fazer, quando a missa era um antro onde os loucos e delinqüentes se encontravam e os suéteres de veludo, crochê e tricô eram o máximo da contravenção visual. Quando hóstias eram distribuídas por 10 moedas a grama e vinham enroladas em papel alumínio direto de cartéis no Vaticano e outras partes da Europa e aquele carinha de óculos de lentes grossas, calça engomadinha e gravata ficava à espreita com pequenos frascos de água benta na porta do colégio enquanto os marginais faziam fila por uma dose. Quando os desajustados se encontravam às escondidas no quarto de alguém para escutar a programação de uma rádio pirata qualquer que tocasse cantos gregorianos e nessas tais reuniões secretas discutiam passagens bíblicas, davam as mãos e oravam, rezavam, trocavam terços, preces e santinhos, invariavelmente consumiam altas doses de hóstias e água benta. Quando a Pastorinhos do Senhor era uma gang de contraventores incentivados por todos aqueles que defendiam a educação moral e cívica. Quando terrenos baldios ao lado de fábricas desativadas serviam de ponto de encontro para diferentes gangues espalhadas pelo mundo e revistas artesanais passavam de mão em mão com matérias sobre Nossa Senhora, Apóstolos e presépios. Quando tudo isso era a nossa realidade, a realidade de grande parte dos jovens da periferia, eu conheci sua mãe e por ela me apaixonei, fizemos planos de um casamento secreto, algum tipo de cerimônia religiosa, mas à essa altura dos acontecimentos já éramos adultos o bastante e essas coisas todas deixaram de fazer sentido, de modo que espetamos e pintamos o cabelo, nossos pais nos deram coturnos e alfinetes de presente, deixamos de tomar banho e passamos a puxar fumo e revirar lixo de fast-food. Um tempo depois vocês nasceram e então nos mudamos para essa parte da galeria subterrânea da cidade.

- Que legal essa estória pai, conta de novo!
- Eu também quero.
- Eu também.
- Conta, conta, conta, só mais uma vez.
- Tudo bem, eu conto, mas vou dar uma resumida porque já é cedo e vocês precisam dormir um pouco seu bando de sujinhos-do-cabelo-vermelho.....

(silêncio).

Quando Jesus Cristo era punk e todas as mães eram junkies, quando aparecer na igreja aos domingos de manhã era coisa que.......

2 comentários:

Mhel disse...

Ai que saudade!
Tempo bom não volta mais...

Rafael Mafra disse...

Fodaço o texto!!!
Sem tempo, falo depois!
Abraço!