sexta-feira, 31 de agosto de 2007

SMOKE ON THE WATER

Nos anos 80 eu costumava frequentar um bar lá no centro que ficava perto da Praça Ramos, o lugar era tranquilo, tinha uma jukebox antiga nos fundos que rolava um som legal na maioria das vezes e o melhor de tudo era que o tal bar vivia vazio. Eu sempre aparecia por lá nas noites de quinta, lembro de uma noite em particular, eu tava acompanhado de uma garota, uma estudante de psicologia que fazia uns trampos de estagiária nas Clínicas, era ela que descolava umas cartelas de Valium 5mg. Se não me engano era Sandra o seu nome, não me lembro direito e sempre confundo os nomes, talvez fosse Silvia ou Sonia, vai saber. O fato é que estávamos lá, na tranqüilidade daquele bar vazio, bem no centro da cidade, conversávamos de maneira agitada, abastecidos com uísque e outras substâncias ilícitas, na jukebox rolava Discharge, a minha banda preferida na época, tinha uma porção de discos punk naquela máquina, devo ter deixado uma quantia considerável de tudo que eu ganhava, comprando fichas e fazendo aquele bar valer a pena de verdade. Outros malucos sempre apareciam. De vez em quando colava um idiota, mas esses não ficavam por muito tempo. Nessa noite, porém, apareceu um sujeito que ficou sentado um tempo no balcão. Eu continuava conversando com a garota, o som do Discharge tinha acabado, de modo que ficamos um tempo em silêncio novamente. Virei um gole de uísque, e na hora em que fui ao banheiro ouvi quando começou a tocar Smoke On The Water do Deep Purple. Quando eu disse que tinha uns sons legais na máquina, esqueci de falar que também tinha umas velharias chatas, esse tipo de som cansado, que já tocou em tudo quando é rádio e programa de televisão, o tipo de som que eu odiava, de qualquer forma. Quando saí do banheiro, com aquele riff irritante soando por todo o bar, vi o cara lá, parado de frente para a máquina enfiando outras fichas dentro dela. Era um desses cabeludos com jaqueta de couro e tênis de cano alto.Sentei novamente na mesa e tentei continuar a conversa, acontece que naquela noite deve ter tocado Smoke on the Water umas vinte vezes seguidas, o cara não sossegava. Comecei a ficar puto com aquilo, lembro que a Sonia ou Silvia, tentou me acalmar, mas quando vi já tava em cima do maluco, puxei ele pelo cabelo, caiu de costas no chão, meti-lhe um chute na cara e taquei-lhe um copo na testa, rolou para o lado com as mãos tapando o rosto, continuei dando bicudas nele, meu coturno já tava todo melado, o maluco tinha sangue que não acabava mais, quando conseguiu se levantar apanhei uma cadeira e bati com força bem no meio das costas, o dono do bar, que chamávamos de Ceguinho, por causa dos óculos fundo de garrafa que usava, tentou me segurar e tudo, mas não teve jeito, saí correndo atrás dele, descendo em direção ao Teatro Municipal com uma garrafa de cerveja na mão, lá embaixo ele dobrou a esquerda, reparei que tinha sangue respingado por toda a calçada, desisti e voltei para o bar. Quando cheguei lá a Sandra já tinha pagado a conta, tava com os olhos cheios de lágrimas. Disse que eu era um monstro ou qualquer coisa assim. Foi embora sem nem se despedir. Fiquei feliz por ela ter pagado a conta. Pedi outra dose de uísque para o Ceguinho. Na Jukebox continuava tocando Deep Purple. Merda – pensei – É o preço que se tem de pagar. Depois da 30ª ou 40ª repetição, a máquina finalmente silenciou, já era quase dia outra vez. Fui para a jukebox, coloquei três fichas, pedi outra dose de uísque e essa foi a primeira vez que assisti o nascer do sol ao som de Black Flag.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Trilogia do Medo - 3. Lucky

Porque tudo tem um fim. Desde os períodos em que nos sentimos por alguma razão seguros até uma breve série temática de poesias.

Lucky

aquele é um garoto de sorte.

os dramas sempre desviam dele.





medo?

é uma palavra que não conhece.





a confiança o acompanha.

até quando?

Como saber? Não é possível. Apenas sei que voltarei aqui com algo novo pra contar a vocês, qualquer hora dessas. Beijos e abraços prophanos!

sábado, 25 de agosto de 2007

Trilogia do Medo - 2. Travesti

O simulacro... a busca por ser o que não se pode ser, então o que temos aqui é o...


Travesti

all is rock. and roll.
todas as mulheres
e as drogas.



é o tempo de esvaziar-se
para preencher-se.



os tempos são hard. core.
sólidos apenas os obstáculos que, por covardia, você não quer ver
tudo o que você não queria.


traveste-se de alegria.


amanhã

é outro dia...


Beijos e abraços prophanos!

Trilogia do Medo - 1. Suas Raízes

Vocês já tiveram medo. É o limiar entre o atirar-se ou o voltar atrás. Entre o ser e anular-se. Eu já tive medo e muitas vezes este amigo/inimigo íntimo me visita. Se há algo a matar, este algo é o medo.
E hoje apresento a vocês primeira e segunda partes de minha trilogia de breves poesias sobre o tema.


Suas Raízes

você precisa
precisa
ter os pés
no chão


encara seu medo!

a montanha-russa...




- ok, vamos!


a altura... faz tremer...




















agora você pode morrer feliz...

e livre!

Beijos e abraços prophanos!

Nietzsche, Schopenhauer, Sistemas, a Imprensa Vampírica e Sair pra Ver o Sol

Sobre nós e eles. E com toques de Pink Floyd.

Nietzsche, Schopenhauer, Sistemas,
a Imprensa Vampírica e Sair pra Ver o Sol

Os temas da conversa, da manhã, de algumas vidas.

Dois velhos jovens e letrados amigos conversam no Metrô. Já conformados com o fato de que nada vai mudar. Conformados com a natureza. A humana.

Um capta idéias para um futuro texto. Este. Já não é mais futuro, então.

Eles provocam. Eles sabem.

Não muito distante, uma chiquita hermosa fita um, fita outro. Sol forte de verão em pleno inverno. Eles devolvem com discrição o fitar, apesar que um fixa-se mais. Nenhuma palavra sobre, mas também todas as palavras são pra eles. Pra ela – um pouco.

Talvez uma estudante de História ou Serviço Social. Ou uma consumidora de programas de TV para a massa embrutecida. Ou tudo ao mesmo tempo num pacote aprazível aos olhos.

Despercebem ou não querem perceber o senhor que se põe ao lado. Ele ouve e fita também. Sol repleto de verão no murcho inverno, patriótico inverno. Porque sabe que aquele povo é feito pelo e para o sol. Um deles, um dos velhos jovens e letrados amigos, desce.

O que fica pergunta ao senhor, finalmente desfingindo: “Quer sentar-se?” Diz-que-não. Está vivo. Isto é para quem trabalha. Atravessa a cidade pra ver o neto. O universo contraído fica entre Itaquera e Aclimação. Duas solidões já se juntarão e serão nenhuma. Está vivo. Chega sua estação.

Sai pra ver o sol.

Beijos e abraços prophanos a todos!

Us and them

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

em breve!!!!!


manada em concentração

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Logorreia, Seborreia e coisas afins

Há frases que poderiam ser ditas apenas uma vez. Não que fossem inoperantes, ineficazes. Poderiam ser frases recicláveis.
Diria-se apenas uma vez e jogaríamos no lixo e estariam futuramente de volta totalmente transformadas. Não seria negar o dom da palavra ou a discrepância da fala. Seria apenas uma necessidade solúvel. Ou algo que se valesse apenas do momento. Pois se cada momento é único, porque não a palavra ou a frase.
Ficaríamos apenas a ouvir, todavia não repetindo em hipótese alguma a dita cuja. Estariamos menos expostos a dúvidas que, no cotidiano da verborrágia, apenas nos faz deglutir mais e mais idéias enfadonhas.Faríamos então da conversa uma caixinha de surpresa constante.
Uma fluente experimental de ensejos, um relicário, um meio simples de nos tornarmos diferenciados.

Um exemplo de frases desconexas:
- "Não consigo!";
- "Não dá pra deixar pra amanhã?!";
- "Devia ter feito diferente.";
- "Desisto";
- "Se";

- "Não" (esta aprendi antes de dizer mamãe)

Que droga de frases são estas?!

E olhe que são apenas poucos exemplos de coisas fúteis. Quem começou a inventar estas coisas?!
Eu não repudio o léxico - tão necessário para enteder os grandes escritores -, mas toda vez que leio algo que não entento tenho que procurar em dois dicionários? E talvez até em um terceiro para tirar a prova dos nove?!
Me convençam, me convençam que frases como estas não deveriam ir para o lixo.
Por isso gosto dos poetas libados. Falam frases desconexas, não se alongam com uma idéia e normalmente esquecem o que fora dito logo que alvorece.

ESTÓRIAS INFANTIS

Quando Jesus Cristo era punk e todas as mães eram junkies, quando aparecer na igreja aos domingos de manhã era coisa que só os malucos tinham coragem de fazer, quando a missa era um antro onde os loucos e delinqüentes se encontravam e os suéteres de veludo, crochê e tricô eram o máximo da contravenção visual. Quando hóstias eram distribuídas por 10 moedas a grama e vinham enroladas em papel alumínio direto de cartéis no Vaticano e outras partes da Europa e aquele carinha de óculos de lentes grossas, calça engomadinha e gravata ficava à espreita com pequenos frascos de água benta na porta do colégio enquanto os marginais faziam fila por uma dose. Quando os desajustados se encontravam às escondidas no quarto de alguém para escutar a programação de uma rádio pirata qualquer que tocasse cantos gregorianos e nessas tais reuniões secretas discutiam passagens bíblicas, davam as mãos e oravam, rezavam, trocavam terços, preces e santinhos, invariavelmente consumiam altas doses de hóstias e água benta. Quando a Pastorinhos do Senhor era uma gang de contraventores incentivados por todos aqueles que defendiam a educação moral e cívica. Quando terrenos baldios ao lado de fábricas desativadas serviam de ponto de encontro para diferentes gangues espalhadas pelo mundo e revistas artesanais passavam de mão em mão com matérias sobre Nossa Senhora, Apóstolos e presépios. Quando tudo isso era a nossa realidade, a realidade de grande parte dos jovens da periferia, eu conheci sua mãe e por ela me apaixonei, fizemos planos de um casamento secreto, algum tipo de cerimônia religiosa, mas à essa altura dos acontecimentos já éramos adultos o bastante e essas coisas todas deixaram de fazer sentido, de modo que espetamos e pintamos o cabelo, nossos pais nos deram coturnos e alfinetes de presente, deixamos de tomar banho e passamos a puxar fumo e revirar lixo de fast-food. Um tempo depois vocês nasceram e então nos mudamos para essa parte da galeria subterrânea da cidade.

- Que legal essa estória pai, conta de novo!
- Eu também quero.
- Eu também.
- Conta, conta, conta, só mais uma vez.
- Tudo bem, eu conto, mas vou dar uma resumida porque já é cedo e vocês precisam dormir um pouco seu bando de sujinhos-do-cabelo-vermelho.....

(silêncio).

Quando Jesus Cristo era punk e todas as mães eram junkies, quando aparecer na igreja aos domingos de manhã era coisa que.......

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

#


Acabei de encontrar o cara aqui do lado, no Bar Limoeiro (em frente ao Centro Cultural São Paulo), que eu frequento há tempos.

Tá virando uma espelunca maior ainda!

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Metrô



Chove e sob mundo, submundo

percorro a cidade

O silêncio reina na estação, já é tarde

O homem por trás do vidro não sorri

Entrega-me o bilhete feito máquina

As máquinas, é fato, não sorriem

Outrora trabalharam humanos aqui

Houve um tempo em que olhavam nos olhos

Nos olhos! É o que a lenda nos diz

Mas as máquinas por trás dos vidros

Não são pagas para serem gentis.


Chove e sob o mundo, as escadas rolam em vão

Pois desço à moda antiga, faço questão

Fortalecendo as pernas e a crença

De que posso viver sem a presença

Da civilização...pura ilusão

As placas gritam e obedeço

Nunca desça à guia!

Eu não desço

Devido a chuva, velocidade reduzida

E o meu consolo, diante das coisas sem vida

É que agora posso vê-la

A chuva que não será interrompida

Pois não há máquinas para contê-la.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Expurgo (alegro 629)

xadrez cavalo trepapiãopalacio

12pra12 tiro 0 pulso nos aqui

coisas do Pacheco gás-gueto

de a coluna tetraplégica “ kit para viver em mega cidades que são porta- aviões perdidos !!!!!!!! °°°°

****era ***** vez******32****22*****64****calças boca de sino

compra órgãos estado DE de preferência POETAS com A A CUCA BEM fresquinha < fresquinha<

IRVINGTON MASSACRE

Eu morava com a minha mãe em um prédio de cinco andares, perto da faculdade e de uma lanchonete, quero dizer, era do lado, tanto que da janela da sala onde morávamos era possível enxergar boa parte do campus e o estacionamento de umas lojas pequenas bem na frente. A primeira coisa que eu fiz foi ganhar a confiança do sindico do prédio, era um cara legal, e não demorou muito até que eu consegui as chaves do terraço com ele, tinha um quarto abandonado lá em cima, ninguém usava aquele espaço pra nada, o sindico tava cagando praquilo, então eu fiz uns reparos no local, coloquei uma fechadura na porta. Nessa época eu e a minha mãe andávamos brigando direto, eu tinha acabado de abandonar a faculdade no segundo ano de jornalismo, a minha irmã saíra de casa pouco antes de nos mudarmos para esse prédio, meu pai tava pouco se fodendo para a gente, eu não tinha amigos, perdia o meu tempo em um emprego medíocre em uma loja de materiais de construção, gostava de livros e filmes de guerra, tinha uma porção de enciclopédias sobre armas que eu guardava como se fosse um pequeno tesouro, também tinha uma Remington que não andava lá essas coisas, arrumei uma 249 emprestada de um tio da minha mãe, comprei uma Magnum novinha em folha.Então passei a estocar toda munição que eu conseguisse comprar para as armas que eu tinha, guardava o meu arsenal no quartinho do terraço, o sindico nunca enchia o meu saco, às vezes eu subia até lá com umas cervejas e ficava brincando de mirar nas pessoas lá embaixo. Foram seis meses ou mais, estocando munição, alguma coisa assim, gastava o meu dinheiro basicamente com isso, consegui juntar cerca de dois mil cartuchos.Aí chegou aquele final de semana no outono de 89, minha mãe tinha ido visitar a minha irmã que morava em outra cidade com um cara meio esquisito, uma espécie de yuppie depressivo, ela só voltaria na segunda ou na terça, de modo que eu dispunha de três ou quatro dias para por o meu plano em prática.Em uma dessas manhãs, passava um programa na televisão sobre uma tribo de índios da Amazônia, falava dos rituais antes da caça, as danças e as músicas, eles tinham um corte de cabelo selvagem, como se diz, raspavam a parte de cima, deixavam apenas dos lados, fui até o banheiro e fiz a mesma coisa, raspei o meu cabelo como a daquela tribo de índios e me preparei para a caça.Subi para o terraço na tarde de segunda-feira, minha mãe tinha ligado avisando que só viria no dia seguinte, eu não tava ligando muito pra isso, mas de qualquer forma tinha munição espalhada até pelo tapete da sala quando ela telefonou. Passava do meio dia quando eu dei o primeiro disparo, quero dizer, foram os primeiros disparos, seis tiros com a Remington direto no estacionamento da lanchonete que ficava bem em frente, tinha uma menina de uns 6 ou 7 anos entrando em um carro, foi a primeira que tombou, acertei a mãe, acho que era a mãe, logo em seguida, os outros tiros não acertaram nos alvos, houve uma correria danada, um tumulto, eu já tinha estudado todas as possibilidades, corri para o outro lado, dessa vez com a Magnum e disparei cerca de trinta vezes nos pedestres que passavam pela avenida principal, devo ter acertado uns quatro ou cinco, nisso comecei a escutar barulho de sirenes, carros de policia e ambulância por todos os lados, corri para o lado oposto, um que dava bem de frente para a saída do campus da universidade, peguei a 249, a munição tava toda lá, esperando, já tinham espalhando que havia um maluco atirando a esmo pela cidade, de modo que os estudantes saiam correndo, abaixados, mesmo assim de onde eu estava não era difícil acerta-los, essa foi a parte mais produtiva da minha tarde, acertei mais uns sete ou oito, tombaram todos, as ruas estavam lotadas de viaturas, havia pelo menos mais quatro prédios próximos ao que eu estava, todos mais ou menos da mesma altura, então eu fui para o outro lado, para o estacionamento das lojas, levei a Remington e a 249 comigo, não tinha ninguém, os policiais avisavam para que as pessoas não saíssem na rua, atirei nos vidros das lojas, nas viaturas, acertei dois policiais e então comecei a descarregar toda a munição que eu tinha nos vidros dos prédios próximos, não sei se acertei mais alguém, contabilizava 15 vitimas fatais quando me encontraram no terraço, tinha munição suficiente para os policiais usarem em outras pessoas, aqueles putos, quando saí as ruas estavam cheias de viaturas com as sirenes ligadas, minha mãe não veio conversar comigo desde então e acho que nem virá, minha irmã mandou uma carta na semana passada eu respondi dizendo para ela que as coisas estão melhores agora e perguntei se ela ainda vivia com aquele merda de yuppie do caralho, ainda não recebi a resposta.Algumas pessoas vêm conversar comigo às vezes, parece que vou pegar pena de morte mesmo, sei lá, meu advogado ta tentando mudar para a perpétua, grande merda. Já faz dois meses que estou aqui e essa é a segunda vez que me deixam escrever uma carta, a primeira foi aquela para a minha irmã. Espero que as coisas estejam bem por aí, agradeçam o meu tio pela 249 e diga a ele que outras seis ou sete pessoas também agradecem. De certa forma.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

O CAMINHO DE CONCEPCIÓN - I

A gente fazia assim, primeiro eu entrava na loja, nisso o Serginho já tinha desparafusado a grelha do ar condicionado que ficava perto do chão, nos fundos. Eu entrava como quem não queria nada e zanzava pelos corredores, o Gustavo vinha e pedia algum tipo de informação para o carinha que arrumava as prateleiras e que era uma espécie de segurança do lugar, enquanto ele tava lá distraído, o Serginho entrava e passava alguma coisa barata pelo caixa, tipo uma barra de chocolate ou uma revista qualquer, então eu apanhava a caixa com as 12 latinhas de cerveja e deslizava pelo buraco da grelha até o lado de fora da loja, nesse dia consegui passar cinco caixas enquanto o Gustavo e o Serginho cuidavam do segurança e da balconista. Depois nos encontrávamos no posto de gasolina ao lado. Enquanto eu dirigia à caminho da casa da Karina, onde a gente tava pensando em rolar uma festinha surpresa com umas meninas, o Gustavo tirou do bolso interno da jaqueta, seis barras de chocolate, o Serginho tinha apanhado umas notas do caixa enquanto a menina virara para o outro lado, esse era outro truque antigo, depois que eu passava as caixas pelo buraco, nos fundos da loja eu ia então até o outro lado, o lado oposto do caixa onde ficavam umas tranqueiras penduradas, uns óculos de sol baratos, bronzeadores, a típica parafernália para banhistas, derrubava alguma coisa no chão, alguma coisa que fizesse barulho, e o Serginho metia a mão em todo o dinheiro que conseguisse, no tempo em que a menina do caixa virava a cabeça para o outro lado. Contabilizamos o lucro: 60 latas de cerveja, o suficiente para uma tarde inteira de sol. Chocolate para agradar as meninas e dinheiro que dava para encher o tanque do carro e ainda apanhar a mercadoria com o Boliviano. Aceleramos em direção ao norte, no caminho ficava uma fazenda com uns pés de milho, paramos, o Serginho foi na frente, o lugar era todo cercado, tinha umas câmeras espalhadas, conhecíamos, porém, a parte mais afastada de onde ficavam os seguranças. O Serginho ia na frente com um saco de pano em cada mão, o Gustavo correu até determinada parte da cerca e cortou com um alicate, acelerei o carro outra vez, pela estradinha de terra, quando encostei, colocaram os dois sacos cheios de espigas de milho no porta-malas, entraram correndo. Ouvimos latidos de cachorro e o alarme que os seguranças ativavam toda vez que nós os saqueávamos. Pegamos novamente a estrada. Passamos na casa do Boliviano, e pra variar, ele não estava. A menina que atendeu a gente devia ter uns 12 ou 13 anos no máximo, nos contou qual era o bar que ele andava freqüentando, fomos até lá, quero dizer, eu e o Serginho, o Gustavo ficou com a menina e uma garrafa de uísque paraguaio. Chegamos no bar e encontramos uma velha que devia ser a dona do lugar, nada do Boliviano, em compensação umas menininhas vieram puxar conversa com a gente, tinha uns quartos no fundo, a velha queria que eu fosse para lá com duas das meninas, escolhi três, paguei adiantado. Enquanto o Serginho emborcava todo o estoque de vinho do bar, uma menina veio e se sentou no seu colo. Dois sujeitos mal encarados jogavam sinuca. Entrei em um daqueles quartos dos fundos, eram bem arrumados e limpos, de lá era possível ouvir a música que tocava no rádio, música brega-sertaneja, também dava para ouvir a menina rindo alto enquanto o Serginho contava umas piadas sem graça, ouvia o barulho dos tacos, dos copos. Tirei a camisa e deitei de costas na cama, as três meninas deitaram comigo, passávamos uma garrafa de uísque de mão em mão. Pensei no Gustavo, no Boliviano, na Karina, nas amigas da Karina. Ah, grande merda. Nem bem anoitecia, ainda. Coloquei a mão debaixo do vestido de uma das meninas. Era melhor do que eu pensava.

domingo, 5 de agosto de 2007

quinta-feira, 2 de agosto de 2007


Pequena questão reflexiva sobre a impossibilidade da plenitude individual em oposição à sociedade, sem a necessidade de seguir ou copiar modelos baseados em estorietas novelísticas ou modelos padrões e consolidados de vida em si.


Num dia desses, desses normais, certo fulano, o Rapaz, caminhava, ou melhor, espremia-se em pé num dos vagões do metrô, em direção ao seu local de trabalho. Ia sem pressa, estava adiantado, pois “caíra da cama”, como dizem por aí, depois de sonhar um sonho estranho que mal lembrava após o café da manhã. Café mal tomado, por sinal, preto-forte e cigarro pra matar a fome.


Trocou de linha do metrô com a cabeça baixa e sono, na mesma linha da massa cinzenta que o rodeava, seguindo corredores e escadas rolantes assim como bois que caminham ao abate sem nada saber ou mugir.


Não era o abate ainda, e o novo vagão até que estava menos cheio. Encostado, o Rapaz fazia cara de parede enquanto passeavam as estações. Entra na história, sem avisar, uma fulana que entrou neste vagão numa dessas estações que passeavam: a Moça.


A Moça havia acordado cedo, não por caprichos de sonhos agitados, mas sim porque tinha consulta marcada num dos agiotas-mecânicos de sua saúde. Além da consulta, tinha sono também. Aquele sono ingrato de noites mal dormidas provocadas por festas e exageros alcoólicos que seus pais nem sabiam e patrocinavam, na falta de um emprego melhor. Pensava se faria algum estrago ao exame o desjejum farto feito à revelia das recomendações que o doutor lhe dera.


Mesmo em tão matutino horário andava caprichada, até com óculos escuros, nos túneis mal iluminados do metrô, que era pra esconder suas olheiras indisfarçáveis dos olhares alheios. Não ligava pra nada por ali e estava mesmo chateada dos maus humores da manhã até o momento em que entrou nas linhas daquele Rapaz.


A Moça, pendurada nos varais de apoio do vagão, olhava e examinava todas as dezenas de rostos que ali estavam, interrompendo tal exercício apenas quando encontrou os olhos do Rapaz, fixando-se por ali mesmo. Ele nada percebeu antes que ela recolhesse da face os óculos, permitindo que os olhares se cruzassem. A primeira coisa que reparou foram as olheiras e talvez nada mais, e ela continuava ali, fixa, sem pensar nem saber qual tipo de curiosidade ou sensação a prendia.


Conste-se que não havia o mínimo vestígio de “amor à primeira vista”, como nos filmes acontece, nem sequer alguma identificação entre eles. Simplesmente estavam ali, sem nenhuma explicação lógica, como em tudo na vida.


Primeiro foi ela que pulou dos varais, caminhou e colocou-se à frente do Rapaz que, sem surpresa, parecia já esperar tal jogada. Ele, o único movimento que fez foi observar os lábios da moça, detalhando sua textura e seu formato e como pareciam daqueles lábios bem cuidados que transformavam mentiras em verdades e homens em escravos.

Como se não houvesse volta, os dois se beijaram. Apenas isto antes de chegarem à estação que a moça descia.


Ela saiu ainda com os olhos fechados enquanto ele, imóvel, a seguia com os seus. Já na plataforma, voltou-se ao trem e já sentenciava, triste, que aquilo tudo era coisa de caso passageiro e encerrado, enquanto observava o Rapaz. De dentro, como se fosse num século inteiro que tocava o sinal que alerta do fechamento das portas, o Rapaz pensava nas conseqüências de qualquer movimento.


No último segundo, como dizem por aí, o Rapaz arremessou sua maleta na porta do trem, impedindo-a de fechar, e caminhou lentamente até a plataforma para depois retirá-la, à maleta, e acompanhou a Moça escadas rolantes acima.


O problema é que a porta não fechou. O operador do trem tentou, os funcionários da estação também tentaram e até os passageiros, mas ninguém conseguiu fechar aquela porta. Depois de sete minutos os passageiros foram convidados a sair e esperar o próximo carro e ficaram mais atrasados e mais irritados que o de costume. Nos locais de trabalho dos passageiros, os Patrões também ficaram mais irritados e mais impertinentes do que o de costume, por conta dos atrasos. Os do metrô que não tinham patrões perderam entrevistas de emprego, consultas médicas ou apenas a hora. Os passageiros que dormiam ou que estavam nos outros vagões e os dos outros trens, que não viram o que aconteceu, ficaram mais irritados do que aqueles que viram, e por falta de alguém pra cuspir todas as culpas, xingaram o presidente, o governador, o prefeito e a falta de atitude das “Pessoas, as velhas “Pessoas” que nunca fazem nada, os mesmos subterfúgios de sempre. Enfim, o dia seria outro sem essa história.


Imagina só o tamanho do colapso que aconteceria a este esquema de vida urbana ao qual estamos acostumados, caso os exemplares cidadãos que nos cercam resolvessem seguir os conselhos dos sonhos e desejos que lhes ocorrem todos os dias e que, na grande maioria das vezes, morrem nos travesseiros e em problemas psicológicos e de convivência, facilmente explicáveis por meros psicanalistas!


O autor, particularmente, gostaria de ver algo do tipo.


Ele gosta das pretas.
Por mais que me contradiga, que brinque com as brancas também, eu sei que ele gosta das pretas.
As brancas sempre começam, e a iniciativa intimida.
Eu? Contento-me em ser dama branca, em minha casa branca ao lado de um rei que sequer me procura, além do mais, é a batalha que me consome.
- Vai, meu peão, avança! Dê-me passagem que essa luta depende de mim. Desculpe, eu não sei seu nome, é que vocês são muitos e são tão parecidos. Broncos e lerdos, mas audazes. Capazes de dar a vida por um rei que não merece, por uma dama que nem sabe seu nome...
- É a guerra, súdito meu, alguém precisa morrer! Recebe esse fado, que ao chegar no outro reino, tem minha palavra, será quem quiser.
Mal profiro cristãs palavras de consolo, e um bispo vem me atacar. Meu Rei? Ele nem se importa, dança um roque com a torre, vai lá pro cantinho e se esquece de mim.
Destemida que sou, devasto o clero oponente, e o meu também. Se eu vencer essa peleja, farei um reino laico.

...

Eu queria mesmo...
O que eu queria mesmo era ser comida por um cavalo. Aquele que vem como se valsasse, num L de loucura, de luxúria, de libido.
Submersa no prazer, esqueço que minha vida é um jogo, não vale nada.

...

Não valeu! Ele me desconcentra, e acaba por me vencer.
Meu rei encurralado clama por meu nome. Eu, ressentida, pronuncio ao inimigo, àquele que joga com as pretas.
- Guarde o cheque, cavalheiro! Tome as jóias da coroa e mate aquele que há tempos morre em seu trono...
Chegada a hora de guardar as peças, convido afavelmente pra um duelo mais tarde.
E venço. Sem armas e bem longe do tabuleiro.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

CASO DE POLÍCIA

Nem bem colocou os pés na calçada e lá veio o fiscal com um apito:
- Ei Senhor, aonde pensa que vai?
- Como, aonde pensa que vai? Vou para o trabalho, oras.
- Antes é preciso pagar a taxa.
- Taxa? Que taxa?
- O I.T.U, Imposto de Trajeto Urbano, serve tanto para pessoas que andam a pé como para quem anda de carro, bicicleta, cavalo, etc.
- Isso é inconstitucional, não vou pagar.
- É o que o senhor pensa, a lei é nova, foi aprovada ontem à noite no congresso, entrou em vigor hoje pela manhã.
- Não fui informado de nada.
- Passou na televisão, ta em tudo quanto é jornal, espera aí. - Então o homenzinho pegou um caderno de dentro de uma pasta e começou a anotar umas coisas.
- Posso saber o que está escrevendo?
- Estou apenas anotando nossa conversa. - Continuou escrevendo, destacou a folha e estendeu para o homem que esperava no portão da própria casa.
- O que é isso agora? - Perguntou sem entender o que fosse aquele papel azul na mão.
- Esse é o I.D.F, Imposto por Diálogo com Fiscal, aí embaixo ta o código de barras, basta que o senhor compareça em alguma agência do Banco do Brasil e efetue o pagamento até o final do dia, se deixar para pagar amanhã o valor dobra.
- Não pode ser, isso é um absurdo, vou chamar um advogado, vou processar esse governo maldito. Saia do meu portão agora, saia, já. O homenzinho então foi se afastando, anotando mais coisas no talão de taxas, parou uns vinte metros dali, telefonou para alguém e ficou esperando. Enquanto isso o outro já tinha entrando novamente na casa e agora falava por telefone com um advogado. Passaram-se cerca de 20 minutos, um carro da polícia surgiu em disparada dobrando a esquina, pararam bem em frente a casa de numero 45.
- É essa mesmo, podem entrar. - apontou o fiscal. Os policiais arrebentaram a porta e entraram procurando o homem que não queria pagar impostos. Esse acabara de desligar o telefone.
- O que esta havendo, o quê foi dessa vez?
- Cala essa boca, delinqüente, está preso por não quitar suas dividas com o governo e por desacato à autoridade. Saiu de casa esperneando e gritando, quatro homens o carregaram até o camburão, o jogaram lá dentro. Antes que saíssem à caminho da delegacia, veio descendo a rua o seu advogado com uma mala na mão. Estou salvo. Pensou. O advogado ficou ali algum tempo conversando com o fiscal, depois falou com os policiais, eles então abriram a porta do camburão, o advogado tirou de dentro da mala um talão, anotou umas coisas e entregou novamente para o homem.
- O que é isso? Ele perguntou ainda dentro da viatura.
- Esse é o I.S.A, Imposto de Serviço de Advogado. Quando efetuar o pagamento nós conversamos. Então os policiais abaixaram a porta da viatura com força, entraram os quatro, o carro saiu acelerando, fazendo curvas em duas rodas, lá dentro o homem se debatia de um lado para o outro. Mais cinco minutos e estariam na delegacia.