
1 - Causa com ele, destrói; destrói primeiro o fígado dele.
2 - Mas o fígado não adianta, reconstrói-se fácil, viverá para sempre.
1 - Sim, mas não o mates tão cedo também.
2 - Não, viverá apenas o suficiente.
1 - O suficiente para quê?
2 - Para o necessário.
1 - Então deixa-o necessitado, impeça o que lhe for preciso.
2 - É matéria imprecisa, sei do que necessito, mas não calculo as contas do que possa lhe faltar.
1 - Ordena que o diga.
2 - Não dirá.
1 - Então arranca-lhe a língua.
2 - Assim não gritará a clemência.
1 - É de clemência que necessitas?
2 - Eu?
1 - Óbvio que é de tu que falo.
2 - Com a clemência esconder-me-á o que necessita.
1 - Então tira-lhe a demência, pois a consciência é mais honesta, concisa e, principalmente, necessitada.
2 - Tão honesta e concisa que contar-me-ia facilmente que carece, mais do que tudo, da própria demência.
1 - Então é isto, tira-lhe a demência, se saber de sua maior carência é o que desejas.
2 - Mas não desejo tratar de uma simples e pura consciência.
1 - Então, o que desejas?
2 - O suficiente.
1 - O suficiente que ele possa lhe dar, ou que tu possas querer dele?
2 - É impreciso.
1 - E o que é preciso?
2 - O equilíbrio.
1 - É coisa impossível em tal situação.
2 - Impossível?
1 - Sim, se é assim que queres, solte-lhe as amarras e a mordaça.
2 - Mas, desta forma, estaríamos em iguais condições, e vulnerável eu também às denúncias alheias.
1 - Se o que queres é o equilíbrio...
2 - È coisa impossível.
1 - Cala-lhe as denúncias!
2 - Não posso.
1 - Podes, é fácil.
2 - Não quero.
1 - O que queres, precisas?
2 - Sou impreciso.
1 - Então arranca-lhe as mãos e os pés, começando pelos dedos, e vais descobrindo aos poucos o que necessitas.
2 - E se depois dos dedos e dos pés e das mãos ainda não soubesse?
1 - Arrancar-lhe-ia os braços e as pernas.
2 - E se depois das pernas e dos braços ainda não soubesse?
1 - Sobrar-lhe-iam os dentes, as orelhas, os olhos e as narinas, uma coisa de cada vez.
2 - E se, depois de tudo isso, ainda assim não souber?
1 - Extraia-lhe cada órgão interno, um por um, até o coração.
2 - O coração eu não poderia.
1 - E por quê?
2 - É do que um homem é feito: coração, consciência e demência.
1 - Um homem já não é mais homem se tiver as mãos atadas e a boca amordaçada.
2 - Um homem será sempre um homem enquanto ainda for demência, consciência e coração juntos.
1 - Então terás o mesmo que agora tens, a diferença é que sem mãos para atar, sem boca para amordaçar e sem órgãos para estripar.
2 - Exatamente o que preciso.
1 - Precisas?
2 - Calculo, não sei se é preciso o cálculo.
1 - Estás em dúvidas?
2 - Talvez.
1 - Duvidas?
2 - Sei que estou.
1 - Então chegaste à mesma conclusão de sempre?
2 - Sim.
1 - Novamente?
2 - Não tenho como escapar, estou atado e amordaçado.
1 - E só depois de tanto tempo percebeste?
2 - Como sempre.
1 - E agora?
2 - Peço que solte-me destas amarras.
1 - Também estavas livre o tempo todo, mas não ousaste acreditar.
2 - Se estava preso e ao mesmo tempo estava livre, confundo-me entre empate, derrota e vitória neste embate, qual título nos é de direito?
1 - Como sempre dizes, é impreciso; talvez saibam aqueles três que estão atrás do espelho.