sexta-feira, 13 de junho de 2008

UMA NOITE COM ÉVORA

A promoção era assim: quem ligasse para a rádio e dissesse o nome correto da música que acabara de tocar, teria o privilégio de passar uma noite com Évora. E foi Lúcio Primeiro, filho de um executivo que trabalhava no ramo de cotonetes, que acertou o nome. A música era Sweet Home Sweetin´ de 1929, uma das primeiras gravações de Évora Lince.
Lúcio encontrou Évora as nove em ponto da noite seguinte, vestiu sua melhor calça e sua melhor camisa, usava o pulôver que tinha ganhado de sua mãe e os sapatos eram os mesmos que usara na ocasião da sua formatura, quarenta e nove anos atrás. Évora apareceu num vestido simples e um tamanco discreto e gasto. Lúcio reparou também que seus cabelos estavam empastados e brancos como neve, sua pele, envelhecida, em nada lembrava a Évora que conhecera nos anos 30.
- Ta legal, já apareci por aqui antes, agora que tal voltarmos para a nossa época? – disse Évora, para início de conversa.
- Olha só, é apenas uma máquina que estou desenvolvendo, algo que será revolucionário para o mundo! – Lúcio estava radiante, e jovem.
- Desenvolvendo? Essa é boa. Então quer dizer que estamos num tipo qualquer de teste idiota bem aqui nesse lugar engraçado, com essa gente decadente!
- Podemos voltar para 1940, se você quiser!
- É claro que quero, nesse minuto!
- Mas primeiro eu gostaria que você participasse da promoção da rádio, eu fui o ganhador, portanto tenho direito ao prêmio!
- Que prêmio?
- Passar uma noite com você!
- Ah, essa é boa!
- Sério, participei da promoção de uma rádio que encontrei nas freqüências da minha máquina, por isso estamos aqui em 1988!
- 1988?
- O ano da promoção!
- Ah, não, chega, aperta a porcaria desse botão ou sei lá qual dispositivo você tiver por ai, quero voltar agora para o meu quarto, para a minha cama, se não me engano estava dormindo quando você me trouxe para cá!
- Não, você não estava dormindo, você estava cantando!
- Que seja então, agora vamos, aperta essa porcaria logo!
- Tem certeza de que quer mesmo voltar? – Lúcio perguntou com uma ponta de tristeza na voz fraca.
- Absoluta!
E então ele apertou uma espécie de botão que acionava uma mola pequena no fundo de uma caixa prateada. Uma nevoa púrpura encobriu nossos dois personagens, que logo desapareceram de 1988.

De volta a 1940:

Évora Lince cantava num cabaré de Marselha, quando as tropas alemãs chegaram, músicos e platéia foram colocados para fora. Revistaram todos, somente Évora, que era judia, e um jovem que assistia a apresentação foram levados.
E na escuridão do vagão lotado, se entreolharam. Évora demonstrou surpresa.
- Ainda quer continuar em 1940? – Lúcio perguntou.
- Não! – Évora respondeu rispidamente, não escondendo o medo que sentia.
Então o rapaz imediatamente apertou o botão da sua caixa prateada e sumiram na névoa púrpura novamente.

E foi assim que Lúcio Primeiro salvou a vida de Évora Lince, a cantora luso-francesa.

O mais importante, para desfecho da história, é que passaram uma noite juntos num hotel decadente de Amsterdã em 9 de julho de 1988 com entradas fornecidas por uma rádio portuguesa e depois disso, nunca mais foram vistos.

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