terça-feira, 23 de setembro de 2008
Impreciso.
1 - Causa com ele, destrói; destrói primeiro o fígado dele.
2 - Mas o fígado não adianta, reconstrói-se fácil, viverá para sempre.
1 - Sim, mas não o mates tão cedo também.
2 - Não, viverá apenas o suficiente.
1 - O suficiente para quê?
2 - Para o necessário.
1 - Então deixa-o necessitado, impeça o que lhe for preciso.
2 - É matéria imprecisa, sei do que necessito, mas não calculo as contas do que possa lhe faltar.
1 - Ordena que o diga.
2 - Não dirá.
1 - Então arranca-lhe a língua.
2 - Assim não gritará a clemência.
1 - É de clemência que necessitas?
2 - Eu?
1 - Óbvio que é de tu que falo.
2 - Com a clemência esconder-me-á o que necessita.
1 - Então tira-lhe a demência, pois a consciência é mais honesta, concisa e, principalmente, necessitada.
2 - Tão honesta e concisa que contar-me-ia facilmente que carece, mais do que tudo, da própria demência.
1 - Então é isto, tira-lhe a demência, se saber de sua maior carência é o que desejas.
2 - Mas não desejo tratar de uma simples e pura consciência.
1 - Então, o que desejas?
2 - O suficiente.
1 - O suficiente que ele possa lhe dar, ou que tu possas querer dele?
2 - É impreciso.
1 - E o que é preciso?
2 - O equilíbrio.
1 - É coisa impossível em tal situação.
2 - Impossível?
1 - Sim, se é assim que queres, solte-lhe as amarras e a mordaça.
2 - Mas, desta forma, estaríamos em iguais condições, e vulnerável eu também às denúncias alheias.
1 - Se o que queres é o equilíbrio...
2 - È coisa impossível.
1 - Cala-lhe as denúncias!
2 - Não posso.
1 - Podes, é fácil.
2 - Não quero.
1 - O que queres, precisas?
2 - Sou impreciso.
1 - Então arranca-lhe as mãos e os pés, começando pelos dedos, e vais descobrindo aos poucos o que necessitas.
2 - E se depois dos dedos e dos pés e das mãos ainda não soubesse?
1 - Arrancar-lhe-ia os braços e as pernas.
2 - E se depois das pernas e dos braços ainda não soubesse?
1 - Sobrar-lhe-iam os dentes, as orelhas, os olhos e as narinas, uma coisa de cada vez.
2 - E se, depois de tudo isso, ainda assim não souber?
1 - Extraia-lhe cada órgão interno, um por um, até o coração.
2 - O coração eu não poderia.
1 - E por quê?
2 - É do que um homem é feito: coração, consciência e demência.
1 - Um homem já não é mais homem se tiver as mãos atadas e a boca amordaçada.
2 - Um homem será sempre um homem enquanto ainda for demência, consciência e coração juntos.
1 - Então terás o mesmo que agora tens, a diferença é que sem mãos para atar, sem boca para amordaçar e sem órgãos para estripar.
2 - Exatamente o que preciso.
1 - Precisas?
2 - Calculo, não sei se é preciso o cálculo.
1 - Estás em dúvidas?
2 - Talvez.
1 - Duvidas?
2 - Sei que estou.
1 - Então chegaste à mesma conclusão de sempre?
2 - Sim.
1 - Novamente?
2 - Não tenho como escapar, estou atado e amordaçado.
1 - E só depois de tanto tempo percebeste?
2 - Como sempre.
1 - E agora?
2 - Peço que solte-me destas amarras.
1 - Também estavas livre o tempo todo, mas não ousaste acreditar.
2 - Se estava preso e ao mesmo tempo estava livre, confundo-me entre empate, derrota e vitória neste embate, qual título nos é de direito?
1 - Como sempre dizes, é impreciso; talvez saibam aqueles três que estão atrás do espelho.
sexta-feira, 15 de agosto de 2008
Ofício
Não é que tivesse nascido, inato, ali, assim, dentro e atuante como um coração ou um rim ou um futuro câncer. Também não foi caso adquirido, assim como acontece com certas doenças, na troca de ares, sangue ou líquidos corporais. Foi contágio, sim, mas de outro tipo. Aparentemente quieta, lentamente, gradual, foi quase imperceptível a adicção. Pode-se chamar de contágio social. Na prática, nem é considerado contágio. Chamam de dom ou dizem que tal pessoa “nasceu pra isso ou pra aquilo”. É até comemorado e respeitado.
Desviando um pouco do assunto, é engraçado como essa coisa acontece quando se trata de pensarmos sobre a morte. Ela sim é que seria algum tido de “dom”, porque domina, é inata, programada, desde sempre, em qualquer tempo, para todos. Mas é tratada como surpresa, como um triste imprevisto. E, pelo contrário, é chorada e não querida. Mas isso são outros papos...
Nasce um ser humano, uma unidade. Pequena criança e já carrega consigo grandes esperanças, esperanças pequenas, futuras frustradas esperanças, sem saber; sem nem sequer ter a capacidade de saber de algo. Antes mesmo de fazer funcionar, ou – para outros teóricos – adquirir suas ferramentas de linguagem, já impõem-lhe uma missão: ser feliz, ter sucesso, e sinônimos do tipo. E, para cumprir sua missão, aquela criança, pequena criatura desejando morrer no conforto do leite materno, nem imagina que terá de enfrentar incoerentes lições e exercícios de uma cartilha duvidosa. A cartilha da vida. Sim, claro! Pois que a felicidade e o sucesso requeridos em sua missão não são quaisquer uns. São pré-conceituados, padronizados; abrangem um minúsculo ângulo de um círculo de possibilidades que existem apenas pelo fato de se respirar; e se formam de requisitos que excluem e classificam todo o restante, tudo aquilo que sobrou, como fracasso ou frustração.
É óbvio que essa cartilha não se encontra em qualquer lugar. Aliás, na verdade, ela nunca nem mesmo foi escrita, muito menos impressa em folhas de papel para se ler, apesar de muitas e tantas tentativas. Dizem que ela se inscreve, se imprime no coração e na mente à medida e simultaneamente em que se vive a própria vida. Dizem isso, mas nem sempre se importam em considerar que é um argumento barato; nunca assumem que não têm tanta certeza sobre isso e sempre se esquecem de perceber que a cartilha existe, sim, mas é outra, que não é lida e nem dita, mas ditada num silêncio de mudez desde a fecundação da primeira idéia de felicidade ou sucesso que sempre se quer impor às vidas alheias.
Seguimos a cartilha, sem querer, sem nem sequer ter a propriedade de querer algo, e vamos nos convencendo que temos de respeitar, senão seremos mal-criados; que temos de ser inteligentes, senão seremos pobres; que temos de estudar para ficarmos ricos, senão seremos burros; que temos de ser isso e aquilo, senão seremos alguma coisa muito ruim. E vamos aprendendo a cartilha sem perceber, gradualmente.
Num dia nasce a criança, unidade, e no outro está ali, aquela coisa crescida, indivíduo, com mais que década de conceitos e anti-conceitos, de inteligências e ignorâncias; pra ser mais exato, ridiculamente formado e completo de coisas das quais gosta e também das quais não gosta. Ou seja, nada de mais, animais também, desses os quais chamamos irracionais e também de bestas, gostam e também não gostam de coisas.
Mas ainda é cedo, e só agora é que aquela criatura, que agora a chamamos de homem, genericamente, que tanto faz homem ou mulher; mas, continuando, só agora é que a figura está pronta para iniciar a busca de seus objetivos, que apesar de assim os chamarmos agora, continuam sendo aquela mesma missão, só que disfarçados numa outra palavra de viés mais adulto e urbano. Se esse homem quiser mesmo dar cabo a essa missão, ou atingir seus objetivos, então terá de continuar seguindo à risca os exercícios que lhe foram impostos. Agora ele deve completar ao menos um curso superior, que assim é chamado para lhe conferir maior grau de importância na tabela de importâncias às quais nos atentamos. E antes de ser o dito superior, o homem torna-se estagiário. E depois de formar-se, toma um bom emprego, requisito essencial da cartilha. Depois de alguns anos de excelentes dedicação e renúncias, ele começa a vislumbrar a possibilidade de ter sucesso e ser feliz. Porém, sendo conceitos tão impossíveis, que é isso o que mostram a história, a filosofia e a nossa própria vida, o sucesso e a felicidade já estão simulados em bens de consumo e bens duráveis. Durante algum tempo, bastante tempo, esses bens bastam. Mas depois nosso homem começa a pensar em aposentar-se. E pensa, pensa, pensa algum tempo, ou melhor, bastante tempo. E depois percebe que aquela vida bem sucedida, pacífica e feliz ainda está longe, muito longe. E ele tenta esquecer disso, e vai esquecendo e esquecendo e esquecendo e esquece-se de vez. Não precisa mais lembrar. Já acorda automaticamente e chega ao trabalho sempre no horário. Dá as ordens certas no momento exato, pois agora é um superior. Tem roupas certas para o ofício e roupas certas para o descanso. O prazer está, se ainda é prazer, dentro dessas duas roupas. Atende o público e fala em voz alta, ninguém ousa contrariá-lo. Senta em sua mesa e assina papéis e mais papéis, decide a vida de outras pessoas que também seguiram ou estão começando a compreender a cartilha. Agora ele não é mais um ser ou criatura, criança homem e nem figura, talvez caricatura tornou-se. Tornou-se Escrevente Autorizado de Tal Registro de Imóveis de Tal cidade. Atrás de seus óculos, de sua mesa e de sua curiosa máquina de perfurar datas em documentos, é a perfeita imagem de um Escrevente Autorizado, nasceu pra aquilo. Ninguém em sã consciência quereria serviço menos qualificado, nem creria em tamanha qualificação. Tornou-se agora uma peça, perfeita, em seu ofício; um parafuso, quem sabe até uma engrenagem, vital, que auxilia a funcionar a máquina da sociedade em que vivemos, e justifica a impressão daquele nosso manual, daquela cartilha.
Quanto à missão, que fique ali, quieta. Outras gerações haverão de cumprí-la.
quinta-feira, 7 de agosto de 2008
Soldado Esperança
Sou o primeiro soldado,
da primeira linha de frente,
para tudo estou preparado,
não há nada que eu não enfrente.
Sou o primeiro bastardo,
no meio de toda essa gente,
à vida estou condenado,
mesmo assim tão descrente.
Sou o primeiro palhaço,
com um largo olhar descontente,
acrobato no meu tablado
coreografias incoerentes.
Eis que prostituiu-se a esperança, e morreu de um vírus estranho à nossa incrível capacidade de consertar e entender todas as coisas.
Vendeu-se por um preço barato, quase nada, que é o valor que sempre estamos ansiosos em pagar.
Ela sorri na hora da morte, porque sabe que não é a última. Sabe que depois que se for, será tudo muito engraçado.
E morre cantando que é o último soldado...
E o que seremos depois que o soldado baixar?
Acostumamos a idéia de que há sempre algo por vir, na cabeça.
Esquecemos que nossa ordem foi: "Vá à guerra, proteja-me!"
E não percebemos o absurdo de gritar o impossível: "Levanta-te, soldado! Ressuscita-te, engana-me!"
Era a esperança.
O mais que putrefato, esqueleto que erguemos diante de nossas vistas sempre que levantamos, depois de cada queda.
A marionete que dissimulamos, perfeitamente manipulados.
"Ressuscita-te!", gritamos. E ela continua em sua condição de ossos.
E nós não aceitamos nada que não colírio em nossos olhos. Mesmo que seja veneno. Mesmo que seja placebo.
Canta que é o primeiro soldado.
Últimos generais que somos, continuamos com a guerra, quase que alheia, sentados, sonhando o estranho conceito que acreditamos – palavra de fontes seguras – ser a vitória.
Engana-me!, cantamos. E seguimos o ritmo de um ossário tilintar.
terça-feira, 24 de junho de 2008
Tudo bem (pensamentos soltos)
Está tudo bem. Pior para uns, para outros nem tanto. Mas está tudo bem, tudo andando na boa ordem.
As músicas, como sempre, continuam nos emocionando, enchem nossos corações vazios e embargam nossos olhos pela melodia, pela letra ou por aquele dia que nos lembra. Embora o trânsito ou a conversa alheia no ônibus ou a outra música do volume máximo do carro ao lado atrapalhem, nossa música mantém sua magia. Engavetamos o momento e o sentimento para mais tarde, compramos o cd ou ouvimos pela internet mesmo. As lágrimas, hoje em dia, já sabem esperar o intante certo de verterem.
Nossos bifes continuam sendo postos nos pratos, pois essa tal de fome é que ainda não aprendeu a esperar. Até as crianças pobres já aprenderam a arte da degustação tântrica, coladas nos vidros apetitosos das janelas de vidro de nossos restaurantes. Já estão de barrigas tantricamente cheias, por isso é que só esmolam para comprarem drogas.
As drogas sim, é que já não são as mesmas. É o preço que pagamos para conter a inflação. Apenas o preço das cervejas, cachaças e cigarros é que sobem, pois já estão legalmente inseridas nos jogos do mercado comercial.
Nossa saúde também continua na mesma, dá pra viver. E quando não dá, não dá.
A educação que sempre recebemos já basta para os objetivos que temos. É formada, geralmente, sem muitas exigências, dependendo da casta que se observe. Ter de sonhar e ter de saber que não podemos realizar os sonhos que nos impõem foi uma das melhores idéias de todas.
Mas nossa fé é exigente. Só lhe falta ser institucionalizada para poder cobrar os juros dos impostos atrasados.
A contribuição para a nossa segurança já é imposta. Mas não é seguro fiar-se nela. Às vezes atrasa. Ela, a segurança, não as contribuições. Os juros sempre são altos.
Tudo o que lemos ou vemos ou sabemos também cumpre seu papel: estar lido, estar visto ou estar sabido. Talvez nos falte alguma inteligência ou coragem para mais do que isso. Mas está tudo bem. Tudo seguindo na mais perfeita ordem. Pior para uns, para outros nem tanto.
terça-feira, 17 de junho de 2008
A ESTÓRIA DE BONNIE & CLYDE
Poema escrito por Bonnie Parker, parceira, comparsa e amante de Clyde Barrow nos anos 1930.
Para ser cantado no ritmo de Song to Woody de Bob Dylan, 1962.
Para ser cantado no ritmo de Song to Woody de Bob Dylan, 1962.
(não se esqueça dos devidos créditos)
- para eles, é claro -
You've read the story of Jesse James
Of how he lived and died;
If you're still in need of something to read
Here's the story of Bonnie and Clyde.
Now Bonnie and Clyde are the Barrow gang
I'm sure you all have read
How they rob and steal and those who squeal
Are usually found dying or dead.
There's lots of untruths to these write-ups
They're not so ruthless as that
Their nature is raw, they hate the law
The stool pigeons, spotters, and rats.
They call them cold-blooded killers
They say they are heartless and mean
But I say this with pride that I once knew Clyde
When he was honest and upright and clean.
But the laws fooled around kept taking him down
And locking him up in a cell,
Till he said to me,"I'll never be free,
So I'll meet a few of them in hell."
The road was so dimly lighted;
There were no highway signs to guide, but they made up their minds
If all roads were blind,
They wouldn't give up till they died.
The road gets dimmer and dimmer;
Sometimes you can hardly see;
But it's fight, man to man and do all you can,
For they know they can never be free.
From heart-break some people have suffered
From weariness some people have died;
But take it all in all, our troubles are small
Till we get like Bonnie and Clyde.
If a policeman is killed in Dallas,
And they have no clue or guide;
If they can't find a fiend, they just wipe their slate clean
And hang it on Bonnie and Clyde.
There's two crimes committed in America
Not accredited to the Barrow mob;
They had no hand in the kidnap demand,
Nor the Kansas City Depot job.
A newsboy once said to his buddy:
"I wish old Clyde would get jumped;
In these awful hard times we'd make a few dimes
If five or six cops would get bumped."
The police haven't got the report yet,
But Clyde called me up today;
He said, "Don't start any fights, we aren't working nights
We're joining the NRA."
From Irving to West Dallas viaduct
Is known as the Great Divide,
Where the women are kin and the men are men,
And they won't "stool" on Bonnie and Clyde.
If they try to act like citizens
And rent them a nice little flat,
About the third night they're invited to fight
By a sub-gun's rat-tat-tat.
They don't think they're too smart or desperate,
They know that the law always wins;
They've been shot at before, but they do not ignore
That death is the wages of sin.
Some day they'll go down together;
They'll bury them side by side;
To few it'll be grief, to the law a relief
But it's death for Bonnie and Clyde.
sexta-feira, 13 de junho de 2008
UMA NOITE COM ÉVORA
A promoção era assim: quem ligasse para a rádio e dissesse o nome correto da música que acabara de tocar, teria o privilégio de passar uma noite com Évora. E foi Lúcio Primeiro, filho de um executivo que trabalhava no ramo de cotonetes, que acertou o nome. A música era Sweet Home Sweetin´ de 1929, uma das primeiras gravações de Évora Lince.
Lúcio encontrou Évora as nove em ponto da noite seguinte, vestiu sua melhor calça e sua melhor camisa, usava o pulôver que tinha ganhado de sua mãe e os sapatos eram os mesmos que usara na ocasião da sua formatura, quarenta e nove anos atrás. Évora apareceu num vestido simples e um tamanco discreto e gasto. Lúcio reparou também que seus cabelos estavam empastados e brancos como neve, sua pele, envelhecida, em nada lembrava a Évora que conhecera nos anos 30.
- Ta legal, já apareci por aqui antes, agora que tal voltarmos para a nossa época? – disse Évora, para início de conversa.
- Olha só, é apenas uma máquina que estou desenvolvendo, algo que será revolucionário para o mundo! – Lúcio estava radiante, e jovem.
- Desenvolvendo? Essa é boa. Então quer dizer que estamos num tipo qualquer de teste idiota bem aqui nesse lugar engraçado, com essa gente decadente!
- Podemos voltar para 1940, se você quiser!
- É claro que quero, nesse minuto!
- Mas primeiro eu gostaria que você participasse da promoção da rádio, eu fui o ganhador, portanto tenho direito ao prêmio!
- Que prêmio?
- Passar uma noite com você!
- Ah, essa é boa!
- Sério, participei da promoção de uma rádio que encontrei nas freqüências da minha máquina, por isso estamos aqui em 1988!
- 1988?
- O ano da promoção!
- Ah, não, chega, aperta a porcaria desse botão ou sei lá qual dispositivo você tiver por ai, quero voltar agora para o meu quarto, para a minha cama, se não me engano estava dormindo quando você me trouxe para cá!
- Não, você não estava dormindo, você estava cantando!
- Que seja então, agora vamos, aperta essa porcaria logo!
- Tem certeza de que quer mesmo voltar? – Lúcio perguntou com uma ponta de tristeza na voz fraca.
- Absoluta!
E então ele apertou uma espécie de botão que acionava uma mola pequena no fundo de uma caixa prateada. Uma nevoa púrpura encobriu nossos dois personagens, que logo desapareceram de 1988.
De volta a 1940:
Évora Lince cantava num cabaré de Marselha, quando as tropas alemãs chegaram, músicos e platéia foram colocados para fora. Revistaram todos, somente Évora, que era judia, e um jovem que assistia a apresentação foram levados.
E na escuridão do vagão lotado, se entreolharam. Évora demonstrou surpresa.
- Ainda quer continuar em 1940? – Lúcio perguntou.
- Não! – Évora respondeu rispidamente, não escondendo o medo que sentia.
Então o rapaz imediatamente apertou o botão da sua caixa prateada e sumiram na névoa púrpura novamente.
E foi assim que Lúcio Primeiro salvou a vida de Évora Lince, a cantora luso-francesa.
O mais importante, para desfecho da história, é que passaram uma noite juntos num hotel decadente de Amsterdã em 9 de julho de 1988 com entradas fornecidas por uma rádio portuguesa e depois disso, nunca mais foram vistos.
Lúcio encontrou Évora as nove em ponto da noite seguinte, vestiu sua melhor calça e sua melhor camisa, usava o pulôver que tinha ganhado de sua mãe e os sapatos eram os mesmos que usara na ocasião da sua formatura, quarenta e nove anos atrás. Évora apareceu num vestido simples e um tamanco discreto e gasto. Lúcio reparou também que seus cabelos estavam empastados e brancos como neve, sua pele, envelhecida, em nada lembrava a Évora que conhecera nos anos 30.
- Ta legal, já apareci por aqui antes, agora que tal voltarmos para a nossa época? – disse Évora, para início de conversa.
- Olha só, é apenas uma máquina que estou desenvolvendo, algo que será revolucionário para o mundo! – Lúcio estava radiante, e jovem.
- Desenvolvendo? Essa é boa. Então quer dizer que estamos num tipo qualquer de teste idiota bem aqui nesse lugar engraçado, com essa gente decadente!
- Podemos voltar para 1940, se você quiser!
- É claro que quero, nesse minuto!
- Mas primeiro eu gostaria que você participasse da promoção da rádio, eu fui o ganhador, portanto tenho direito ao prêmio!
- Que prêmio?
- Passar uma noite com você!
- Ah, essa é boa!
- Sério, participei da promoção de uma rádio que encontrei nas freqüências da minha máquina, por isso estamos aqui em 1988!
- 1988?
- O ano da promoção!
- Ah, não, chega, aperta a porcaria desse botão ou sei lá qual dispositivo você tiver por ai, quero voltar agora para o meu quarto, para a minha cama, se não me engano estava dormindo quando você me trouxe para cá!
- Não, você não estava dormindo, você estava cantando!
- Que seja então, agora vamos, aperta essa porcaria logo!
- Tem certeza de que quer mesmo voltar? – Lúcio perguntou com uma ponta de tristeza na voz fraca.
- Absoluta!
E então ele apertou uma espécie de botão que acionava uma mola pequena no fundo de uma caixa prateada. Uma nevoa púrpura encobriu nossos dois personagens, que logo desapareceram de 1988.
De volta a 1940:
Évora Lince cantava num cabaré de Marselha, quando as tropas alemãs chegaram, músicos e platéia foram colocados para fora. Revistaram todos, somente Évora, que era judia, e um jovem que assistia a apresentação foram levados.
E na escuridão do vagão lotado, se entreolharam. Évora demonstrou surpresa.
- Ainda quer continuar em 1940? – Lúcio perguntou.
- Não! – Évora respondeu rispidamente, não escondendo o medo que sentia.
Então o rapaz imediatamente apertou o botão da sua caixa prateada e sumiram na névoa púrpura novamente.
E foi assim que Lúcio Primeiro salvou a vida de Évora Lince, a cantora luso-francesa.
O mais importante, para desfecho da história, é que passaram uma noite juntos num hotel decadente de Amsterdã em 9 de julho de 1988 com entradas fornecidas por uma rádio portuguesa e depois disso, nunca mais foram vistos.
segunda-feira, 9 de junho de 2008
SUBSOLO (Canções Curtas em Seis Tempos)
Allan Raez bebeu três xícaras de café. Olhou apreensivo para a garçonete que lavava pratos bem na sua frente.
Depois olhou para o caixa e se lembrou de que não tinha um centavo no bolso.
Seu Chevrolet 67 estava parado no estacionamento da lanchonete. No porta-malas o corpo de Maria, sua namorada. Ele havia perdido o controle na última noite e agora só pensava numa maneira de se livrar do corpo.
A garçonete foi até a cozinha, Allan fitou sua bunda. Maria também tinha uma daquelas, era capaz de deixar qualquer pároco de pau duro em questão de segundos. Existia muitas assim, o problema era quando resolviam abrir a boca.
Maria ameaçou chamar a polícia, caso Allan encostasse a mão nela. Ele não fez isso – encostou o cano frio da 22 na sua têmpora e disparou, duas vezes.
Jaime recebeu o aviso pelo rádio. Ligou a sirene e pisou fundo. Perto dali, um maluco tinha assaltado uma lanchonete. Dois funcionários mortos e o assassino em fuga num Chevrolet antigo, dirigindo com uma mão e apontando sua 22 para a cabeça de uma garçonete, com a outra.
Depois olhou para o caixa e se lembrou de que não tinha um centavo no bolso.
Seu Chevrolet 67 estava parado no estacionamento da lanchonete. No porta-malas o corpo de Maria, sua namorada. Ele havia perdido o controle na última noite e agora só pensava numa maneira de se livrar do corpo.
A garçonete foi até a cozinha, Allan fitou sua bunda. Maria também tinha uma daquelas, era capaz de deixar qualquer pároco de pau duro em questão de segundos. Existia muitas assim, o problema era quando resolviam abrir a boca.
Maria ameaçou chamar a polícia, caso Allan encostasse a mão nela. Ele não fez isso – encostou o cano frio da 22 na sua têmpora e disparou, duas vezes.
Jaime recebeu o aviso pelo rádio. Ligou a sirene e pisou fundo. Perto dali, um maluco tinha assaltado uma lanchonete. Dois funcionários mortos e o assassino em fuga num Chevrolet antigo, dirigindo com uma mão e apontando sua 22 para a cabeça de uma garçonete, com a outra.
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