terça-feira, 24 de junho de 2008

Tudo bem (pensamentos soltos)



Está tudo bem. Pior para uns, para outros nem tanto. Mas está tudo bem, tudo andando na boa ordem.

As músicas, como sempre, continuam nos emocionando, enchem nossos corações vazios e embargam nossos olhos pela melodia, pela letra ou por aquele dia que nos lembra. Embora o trânsito ou a conversa alheia no ônibus ou a outra música do volume máximo do carro ao lado atrapalhem, nossa música mantém sua magia. Engavetamos o momento e o sentimento para mais tarde, compramos o cd ou ouvimos pela internet mesmo. As lágrimas, hoje em dia, já sabem esperar o intante certo de verterem.

Nossos bifes continuam sendo postos nos pratos, pois essa tal de fome é que ainda não aprendeu a esperar. Até as crianças pobres já aprenderam a arte da degustação tântrica, coladas nos vidros apetitosos das janelas de vidro de nossos restaurantes. Já estão de barrigas tantricamente cheias, por isso é que só esmolam para comprarem drogas.

As drogas sim, é que já não são as mesmas. É o preço que pagamos para conter a inflação. Apenas o preço das cervejas, cachaças e cigarros é que sobem, pois já estão legalmente inseridas nos jogos do mercado comercial.

Nossa saúde também continua na mesma, dá pra viver. E quando não dá, não dá.

A educação que sempre recebemos já basta para os objetivos que temos. É formada, geralmente, sem muitas exigências, dependendo da casta que se observe. Ter de sonhar e ter de saber que não podemos realizar os sonhos que nos impõem foi uma das melhores idéias de todas.

Mas nossa fé é exigente. Só lhe falta ser institucionalizada para poder cobrar os juros dos impostos atrasados.

A contribuição para a nossa segurança já é imposta. Mas não é seguro fiar-se nela. Às vezes atrasa. Ela, a segurança, não as contribuições. Os juros sempre são altos.

Tudo o que lemos ou vemos ou sabemos também cumpre seu papel: estar lido, estar visto ou estar sabido. Talvez nos falte alguma inteligência ou coragem para mais do que isso. Mas está tudo bem. Tudo seguindo na mais perfeita ordem. Pior para uns, para outros nem tanto.

terça-feira, 17 de junho de 2008

A ESTÓRIA DE BONNIE & CLYDE

Poema escrito por Bonnie Parker, parceira, comparsa e amante de Clyde Barrow nos anos 1930.
Para ser cantado no ritmo de Song to Woody de Bob Dylan, 1962.

(não se esqueça dos devidos créditos)
- para eles, é claro -

You've read the story of Jesse James
Of how he lived and died;
If you're still in need of something to read
Here's the story of Bonnie and Clyde.
Now Bonnie and Clyde are the Barrow gang
I'm sure you all have read
How they rob and steal and those who squeal
Are usually found dying or dead.
There's lots of untruths to these write-ups
They're not so ruthless as that
Their nature is raw, they hate the law
The stool pigeons, spotters, and rats.
They call them cold-blooded killers
They say they are heartless and mean
But I say this with pride that I once knew Clyde
When he was honest and upright and clean.
But the laws fooled around kept taking him down
And locking him up in a cell,
Till he said to me,"I'll never be free,
So I'll meet a few of them in hell."
The road was so dimly lighted;
There were no highway signs to guide, but they made up their minds
If all roads were blind,
They wouldn't give up till they died.
The road gets dimmer and dimmer;
Sometimes you can hardly see;
But it's fight, man to man and do all you can,
For they know they can never be free.
From heart-break some people have suffered
From weariness some people have died;
But take it all in all, our troubles are small
Till we get like Bonnie and Clyde.
If a policeman is killed in Dallas,
And they have no clue or guide;
If they can't find a fiend, they just wipe their slate clean
And hang it on Bonnie and Clyde.
There's two crimes committed in America
Not accredited to the Barrow mob;
They had no hand in the kidnap demand,
Nor the Kansas City Depot job.
A newsboy once said to his buddy:
"I wish old Clyde would get jumped;
In these awful hard times we'd make a few dimes
If five or six cops would get bumped."
The police haven't got the report yet,
But Clyde called me up today;
He said, "Don't start any fights, we aren't working nights
We're joining the NRA."
From Irving to West Dallas viaduct
Is known as the Great Divide,
Where the women are kin and the men are men,
And they won't "stool" on Bonnie and Clyde.
If they try to act like citizens
And rent them a nice little flat,
About the third night they're invited to fight
By a sub-gun's rat-tat-tat.
They don't think they're too smart or desperate,
They know that the law always wins;
They've been shot at before, but they do not ignore
That death is the wages of sin.
Some day they'll go down together;
They'll bury them side by side;
To few it'll be grief, to the law a relief
But it's death for Bonnie and Clyde.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

UMA NOITE COM ÉVORA

A promoção era assim: quem ligasse para a rádio e dissesse o nome correto da música que acabara de tocar, teria o privilégio de passar uma noite com Évora. E foi Lúcio Primeiro, filho de um executivo que trabalhava no ramo de cotonetes, que acertou o nome. A música era Sweet Home Sweetin´ de 1929, uma das primeiras gravações de Évora Lince.
Lúcio encontrou Évora as nove em ponto da noite seguinte, vestiu sua melhor calça e sua melhor camisa, usava o pulôver que tinha ganhado de sua mãe e os sapatos eram os mesmos que usara na ocasião da sua formatura, quarenta e nove anos atrás. Évora apareceu num vestido simples e um tamanco discreto e gasto. Lúcio reparou também que seus cabelos estavam empastados e brancos como neve, sua pele, envelhecida, em nada lembrava a Évora que conhecera nos anos 30.
- Ta legal, já apareci por aqui antes, agora que tal voltarmos para a nossa época? – disse Évora, para início de conversa.
- Olha só, é apenas uma máquina que estou desenvolvendo, algo que será revolucionário para o mundo! – Lúcio estava radiante, e jovem.
- Desenvolvendo? Essa é boa. Então quer dizer que estamos num tipo qualquer de teste idiota bem aqui nesse lugar engraçado, com essa gente decadente!
- Podemos voltar para 1940, se você quiser!
- É claro que quero, nesse minuto!
- Mas primeiro eu gostaria que você participasse da promoção da rádio, eu fui o ganhador, portanto tenho direito ao prêmio!
- Que prêmio?
- Passar uma noite com você!
- Ah, essa é boa!
- Sério, participei da promoção de uma rádio que encontrei nas freqüências da minha máquina, por isso estamos aqui em 1988!
- 1988?
- O ano da promoção!
- Ah, não, chega, aperta a porcaria desse botão ou sei lá qual dispositivo você tiver por ai, quero voltar agora para o meu quarto, para a minha cama, se não me engano estava dormindo quando você me trouxe para cá!
- Não, você não estava dormindo, você estava cantando!
- Que seja então, agora vamos, aperta essa porcaria logo!
- Tem certeza de que quer mesmo voltar? – Lúcio perguntou com uma ponta de tristeza na voz fraca.
- Absoluta!
E então ele apertou uma espécie de botão que acionava uma mola pequena no fundo de uma caixa prateada. Uma nevoa púrpura encobriu nossos dois personagens, que logo desapareceram de 1988.

De volta a 1940:

Évora Lince cantava num cabaré de Marselha, quando as tropas alemãs chegaram, músicos e platéia foram colocados para fora. Revistaram todos, somente Évora, que era judia, e um jovem que assistia a apresentação foram levados.
E na escuridão do vagão lotado, se entreolharam. Évora demonstrou surpresa.
- Ainda quer continuar em 1940? – Lúcio perguntou.
- Não! – Évora respondeu rispidamente, não escondendo o medo que sentia.
Então o rapaz imediatamente apertou o botão da sua caixa prateada e sumiram na névoa púrpura novamente.

E foi assim que Lúcio Primeiro salvou a vida de Évora Lince, a cantora luso-francesa.

O mais importante, para desfecho da história, é que passaram uma noite juntos num hotel decadente de Amsterdã em 9 de julho de 1988 com entradas fornecidas por uma rádio portuguesa e depois disso, nunca mais foram vistos.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

SUBSOLO (Canções Curtas em Seis Tempos)

Allan Raez bebeu três xícaras de café. Olhou apreensivo para a garçonete que lavava pratos bem na sua frente.

Depois olhou para o caixa e se lembrou de que não tinha um centavo no bolso.

Seu Chevrolet 67 estava parado no estacionamento da lanchonete. No porta-malas o corpo de Maria, sua namorada. Ele havia perdido o controle na última noite e agora só pensava numa maneira de se livrar do corpo.

A garçonete foi até a cozinha, Allan fitou sua bunda. Maria também tinha uma daquelas, era capaz de deixar qualquer pároco de pau duro em questão de segundos. Existia muitas assim, o problema era quando resolviam abrir a boca.

Maria ameaçou chamar a polícia, caso Allan encostasse a mão nela. Ele não fez isso – encostou o cano frio da 22 na sua têmpora e disparou, duas vezes.

Jaime recebeu o aviso pelo rádio. Ligou a sirene e pisou fundo. Perto dali, um maluco tinha assaltado uma lanchonete. Dois funcionários mortos e o assassino em fuga num Chevrolet antigo, dirigindo com uma mão e apontando sua 22 para a cabeça de uma garçonete, com a outra.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

OS BENEFÍCIOS DO CHÁ MATO

Apesar de toda informação que tem sido veiculada, principalmente de uns cinco anos pra cá, parece que a maioria das pessoas ainda não despertou para a realidade de que o chá, definitivamente, pode ser uma coisa bem louca, quero dizer algo extremamente positivo, de forma mental, social, espiritual e o escambau.
Acredito que se um número maior de pessoas passasse a fazer uso constante do chá, viveríamos então numa sociedade mais pacífica, criativa (como ninguém teve a idéia de incluir essa palavra na declaração dos direitos universais de todos os homens do mundo a partir do momento em que nascem?). Tiraríamos o pé do acelerador. Não há motivo para tanta pressa. Não é difícil observar as pessoas e se perguntar aonde todos vocês pensam que irão chegar? Num cemitério hollywoodiano com lápides limpas e discretas?
No começo da fila do supermercado? Num sofá bege, dentro duma sala bege? Divisórias, mesas e computadores? Não sejamos tão sérios assim. Essa seriedade toda só parece esconder uma infantilidade que permanece alheia (e aparentemente confortável) às coisas que fazem a diferença.
Falando de experiência pessoal, durante os últimos quinze anos, período em que alternei algumas fazes de tomar o chá diariamente com outras épocas mais tranqüilas (ou menos tranqüilas – claro), adquiri uma percepção bastante clara em relação às mascaras do convívio social boçal, sempre presente, em todos os lugares. Como não achar certa graça, por exemplo, na maneira como os caixas, especialmente os de banco e supermercado, com quem tenho maior contato, agem? E os seus gerentes e supervisores? Todos igualmente programados, nulos, sem criatividade alguma. Converso com vendedores, mecânicos, advogados, publicitários, médicos, pastores, porque será que estão todos mentindo? Mentem para si mesmos e para os outros. No fundo é tudo teatro. A prestação do carro, da casa, o som mais novo de todos, o aparelho mais moderno do mercado, o último equipamento lançado, novidades tecnológicas de calçar e vestir, baterias e liquidificadores com mil e cinqüenta funções diferentes, todos esses objetos / objetivos de vida estão presentes, na verdade só existem eles, a sociabilidade séria e respeitosa é uma fantasia que vestimos todos os dias quando o relógio desperta nossas mentes inquietas e tão acostumadas com a turbulência moderna. Aceleramos nossos carros, com nossas mentes munidas de café e álcool e continuamos varrendo o debate sobre o chá para debaixo do tapete. Ninguém tem muito tempo.
O chá só faz aumentar a percepção do equívoco no qual nos encontramos, da bestialidade de certas ações corriqueiras, da estupidez da pressa excessiva, da subserviência cega, de caminhar muito aquém da serenidade e loucuras necessárias para que ideologias vazias não contaminem nossa mente e nosso corpo.
Algumas pessoas ficam em dúvida sobre os possíveis malefícios que o uso contínuo do chá pode provocar a longo e médio prazo, geralmente são soldados de políticos e religiosos, estão sempre atentos, não podem vacilar um minuto ou serão engolidos ou despedidos ou punidos ou simplesmente descartados, entendo seus questionamentos, embora seja estranho que continuem levando vidas cheias de vícios perigosos e parecem nada fazer ou nada enxergar a respeito.
Espero que os próximos debates sejam mais abrangentes e que as pessoas estejam com suas cabeças cortadas e expostas nas calçadas.
É muito mais fácil o velho truque do controle-remoto, da bíblia e da cerveja. Tá tudo ai, basta estender a mão ou estalar os dedos. O difícil será conseguir manter esse apego à velocidade e esse medo da mudança, depois de termos feito a conversão do concreto para a terra, do papel para a fumaça. Não existe conexão nenhuma entre o chá e um automóvel, por exemplo, e isso é só uma das milhares de coisas que você irá descobrir, enquanto navegar tranqüilo pelos rios coloridos da sua mente.