sexta-feira, 28 de março de 2008

Sendo

Sendo

já fui o ladrão a galope de seu deserto

já fui o grito na rua
o desespero de não saber pra onde ir
e a solução encontrada no último gole do copo

já fui a distorção da guitarra que já não toca

já fui o oásis que se desfaz à sua frente
a dor de ninguém

e também a risada presa na garganta

já fui o coro das igrejas
a mão que segurou a sua quando temia andar
já fui os olhos que guiavam
e a noite que teimava em prosseguir sendo


já fui sonho e acordei realidade fútil
o tempo perdido nos faróis de uma metrópole
o papo sem moreira nem bezerra
e já fui silva e de paula e alessandro

e permaneço de alguma forma

na vida de quem quer:
um vagabundo, um joão bobo,

um falsário, sedutor virgem do vazio

carrego em mim algumas verdades

todas as ficções e contradições
as bugigangas incompreensíveis do inconsciente

algum ódio, muito amor e um tanto mais de... teimosia

o que mais posso ser? e o que mais posso ter?

É, isto é tudo por esta noite. Beijos e abraços prophanos, meu povo!

O retorno do poeta gordinho

Tô voltando pra casa, povo. Tô voltando! :-)

quinta-feira, 27 de março de 2008

"Diálogo N.º45872" e "O homem que bebia demais"


...
1 – Você acredita em quê, então?
2 – Ora, bolas! Está tudo aí, não há como negar. Tenho que acreditar em tudo, sou obrigado a isso.
1 – Mas no que você acredita realmente?
2 – No que eu acredito realmente?
1 – Isso, no que você põe fé?
2 – Em nada.
1 – Nada?
2 – Nada vale de nada.
1 – Então por que a arte?
2 – Porque nela encontramos a única possibilidade de fazer qualquer coisa, deixando claro de antemão que essa coisa pode não servir de nada, pode não ter sentido algum, mesmo que muitas vezes, na arte, abordemos de forma concisa e impressionante questões cruciais de nossa existência.
1 – E a arte vale alguma coisa mesmo quando não serve de nada?
2 – Nada serve de nada.
1 – E quanto ao cara que bebia demais?


O homem que bebia demais



Vamos lá. Antes de mais nada é preciso considerar algumas variáveis humanas e sociais e etc., envolvidas no assunto. Além de considerar, questioná-las, pois não buscamos aqui a construção de apenas mais outra paradigmática afirmação. Destas nós já estamos cheios.

Questionar, porque é preciso.

Quais são nossos valores e medidas e de onde vêm? Temos certeza de que são realmente nossos? Se tivermos certeza, será válido negarmos ou ignorarmos os valores e medidas de outrem? O senso-comum, o que é? De onde vem? Seria o senso-comum algo que justifica nossa moral ou que se aproxima da Verdade?

Ora, são questões iniciais pertinentes e relevantes em se tratando do assunto abordado.

São nossos valores que qualificam tudo o que está ao nosso redor, desde nossas preferências estéticas de quaisquer tipos até aquilo que consumimos. Nossas medidas quantificam tudo o que podemos ter, querer ou fazer, formando uma faixa “segura” que foge da escassez e do excesso. Encontramos aí o senso-comum, que glorifica nossa “faixa de segurança” quando a confronta com as escolhas correntes no meio social em que vivemos. E esse mesmo senso-comum é produto de uma força maior chamada moral, que muitas vezes é confundida com “A Verdade” (“A Verdade”, aqui em maiúscula, refere-se àquele conceito de “única possibilidade possível”, de “única certeza”). Portanto, é relevante que antes de mais nada consideremos e questionemos estes conceitos.

Não é raro – e é algo que não queremos permitir a este argumento – que todos esses conceitos sejam tidos/confundidos como entidades reais, concretas. Não podemos nos esquecer que são apenas abstrações.

Por exemplo, “A Verdade”. É uma idéia que circula por aí com o estigma de “única”, de imutável. Disparate ingênuo e equivocado, pois o que ocorre com “A Verdade” é o mesmo que acontece com o bom-gosto: todos pensam ter bom-gosto, mas todos os gostos são diferentes, às vezes absurdamente discrepantes. E qual será o melhor deles ou o verdadeiro? A resposta é simples: nenhum (e não consideramos necessário explicitar o porquê disso). Da mesma forma, cada um carrega sua própria verdade, mesmo que muitas vezes sejam parecidas. “A Verdade”, em maiúscula, não existe; às vezes queremos enxergá-la como única faceta desse diamante infinito-facetado a que chamamos de vida, mas não podemos, pois temos olhos e ouvidos e demais sentidos e discernimento e acreditar em tal absurdo seria negar tudo isso e assumirmos alguma forma vegetativa de existência. Qualquer pessoa que tenha algum mínimo relacionamento social – seja através de outras pessoas, televisões, jornais, revistas ou até de livros Agatha Christie – tem suficiente capacidade de perceber e entender que escolhemos nós mesmos a nossa própria verdade.

E nossa moral, que vem rebocada por algumas verdades amplamente aceitas e carrega consigo nosso senso-comum, será que é tão válida assim? Que ela existe e vige, não há como discordar, mas poderíamos pensá-la como um manual de auto-proteção, sendo o senso-comum, o bom-senso, suas ferramentas. Quem sabe se nossa moral não é apenas o resultado de milhares de anos de evolução de uma espécie que em algum momento percebeu que certas atitudes são boas para a própria segurança no convívio em sociedade, e outras tantas não? Algum tipo de não-mexer-em-casa-de-maribondo que, com o passar do tempo, tornou-se regra.

Nossa moral e nosso senso-comum parecem mais com uma pré-ferramenta que nos protegem de quebrarmos as regras do bom convívio social.

Primeira questão pontual: qual o custo x benefício da troca de nossa plena liberdade pela segurança do relacionamento social? É o único preço que podemos pagar?

Depois que pensamos no que é “A Verdade”, a moral e o senso-comum, poderemos dizer que realmente possuímos valores e medidas próprios? Ou enxergaremos que são conceitos hereditários, que estão em nossos genes sociais e que não pensamos nisso porque nos incomoda?

Nós, seres humanos, vivemos num universo que impede a plenitude. Os poucos que vivem bem e felizes só o conseguem pagando o preço de certa ignorância; os que vivem mal, porém felizes, também, de uma forma diferente; há os que seguem levando a vida na média geral, sem nenhum saldo positivo ou então frustrados; outros se consideram de mal a pior e apenas choram muito por isso; e até aí tudo bem.

Mas alguns, que ignoram se a moda vigente é estar bem ou mal com a vida; que, se possuem valores e medidas, carregam-nos apenas para a própria vida; esses são considerados loucos, inconseqüentes, estranhos, incapazes para o bom convívio social... “que tomem cuidado, pois exageram”.

Esses preferem apenas sugerir uma segunda questão pontual: uma hora de oxigênio ou quatro minutos de vida?

Portanto, se pensamos direito a respeito, permitamos que o cara beba em paz!

Momentum (in extremis, in fieri).


Parte II - Da conscência de um karma

Ele foi abrindo os olhos devagar. Dessa vez não tinha luz nenhuma. Estava num lugar pequeno, escuro, aconchegante e assustador. Não lembrava de nada, era como se nunca tivesse existido. Olhou em sua volta e viu apenas alguns resíduos de luz que pareciam entrar sorrateiramente pelas frestas que existiam em dois cantos daquele pequeno lugar. Parecia estar dentro de uma caixa. Abaixou a cabeça e fechou os olhos, tentando raciocinar. Quando fez isso sua cabeça foi bombardeada por flashes de lembranças que lhe fizeram tomar ciência do que estava acontecendo. De um instante para o outro ele teve uma incrível certeza de que passara toda a sua existência dentro daquela caixa. Teve certeza de que tudo aquilo que via em forma de lembrança não passava de ilusão. Pensava assim, pois se deu conta de que a sensação que sentia fortemente naquele instante esteve acompanhando-o desde o passado mais antigo do qual conseguia se lembrar. E era tudo muito esclarecedor. Pensando um pouco mais, ele entendeu que sempre soube o que era realmente, só não conseguia acreditar. Era torturante aceitar sua condição, por isso esquecia. Mas, logo que fazia isso, iniciava-se uma incessante batalha em busca de alguma recordação do que significava sua existência, em busca da verdade angustiante. Esquecer doía mais do que lembrar. Lembrar doía mais do que esquecer. Era um círculo frustrante, sempre. Mas ele estava brevemente satisfeito por lembrar-se de tudo. Ele entendeu que não passava de um simples "Momento". Sua existência consistia em nascer, abrir os olhos, ficar confuso dentro de uma prisão escura até criar consciência da razão pela qual existia, fazer sua parte nos planos da existência universal, angustiar-se e morrer para, depois de um ciclo do Universo, nascer novamente sob as mesmas condições. Ele era apenas um componente inconsciente do Tempo e do Destino e ajudava-os, involuntariamente, a formar e manter o passado, o presente e o futuro de tudo.

Quando estava preparado percebeu que tinha mãos e que aquela caixa tinha portas. Neste momento sentiu medo e uma vontade inexplicável de contrariar-se à vontade do Tempo e do Destino. Quis destruir toda uma eterna história já feita, contada e recontada. Quis a liberdade e surpreendeu-se por saber que era o único a desejá-la entre seus iguais. Surpreendeu-se mais ainda e frustou-se ao descobrir que sua rebelia já estava planejada desde sempre e que ele mesmo já tinha vivido isso infinitas vezes.

Agora sim, estava realmente preparado. E faria a sua parte na história do Universo num corpo de um homem. Seria uma experiência realizada pelo Tempo e Destino, que consistia em dar vida e livre arbítrio a um "Momento".


Continua...

NOITE ANTROPOPHANICA:


Porque poetar é preciso, viver...

O CAMINHO DE CONCEPCIÓN - V

O Gordo tinha uma irmã que volta e meia aparecia lá em casa na época em que eu ainda morava com os meus pais. Eu andava procurando um lugar para morar e ela sabia disso, por isso fomos um dia até a casa de uma tia do Serginho, a Thaís (acho que era esse o nome da irmã do Gordo, não lembro direito) havia comentado sobre uns quartinhos bem simpáticos pra alugar, e além do mais o lugar parecia bem tranqüilo, do tipo que eu andava procurando pra descansar um pouco, depois de três anos seguidos indo de um lado para o outro com o Serginho e o Gustavo, eu havia decidido de uma vez por todas, que Concepción não servia mais pra mim. Era uma tarde de quinta, se não me engano, fomos na Kombi do Gordo, um amontoado de latas caindo aos pedaços, descemos uma estradinha de terra, toda esburacada, a Thaís tava no volante e não parava de falar, éramos só nós dois naquele entardecer silencioso e nublado. Quando chegamos na tal casa que ela havia falado, um moleque pequeno, de uns seis anos no máximo, veio correndo abrir a porteira pra gente, a Thaís deu uma buzinada pra ele, tinha uma porção de galinhas e cachorros correndo por ali, a casa ficava logo em frente, e quando estacionamos o carro, a família inteira já tinha vindo nos receber, era um lugar bastante simples, de modo que eu me apaixonei por ele logo de cara. A casa principal era grande, com cômodos enormes, preenchidos por camas ou sofás, não havia aparelhos eletrônicos, nem fogão elétrico, então a dona da casa nos levou até os quartos separados, pareciam bem confortáveis e o melhor de tudo era que as janelas davam vista para o rio que passava a meio quilometro dali. O lugar todo era um deposito de areia, eles extraiam a areia do fundo do rio com uns canos engraçados e a areia ia acumulando atrás da casa principal formando uma verdadeira montanha que eu, a Thaís e o menino, a quem ela chamava por um apelido qualquer, tipo Soró – alguma coisa assim - decidimos desbravar. Lembro que escalamos aquela montanha de areia quando o sol já tinha se escondido em algum lugar adiante, o menino pulava e saltava de um lado para o outro, subindo e descendo a montanha, com uma cadelinha preta latindo e correndo, brincando junto com ele, ficamos assistindo aquilo por um tempão, a Thaís tava até meio chapada de alegria por mim, por eu ter gostado do quarto e tudo, ela tinha um coração imenso, e pena que nos vimos poucas vezes depois disso. Mas naquela tarde só existiam a montanha de areia quase engolindo a casinha que agora parecia bem pequena, lá embaixo, o rio passando do outro lado e as janelas dos quartinhos. Apontei para a última delas, aquele seria o meu reduto por tempo indeterminado, falei. E a Thaís deu uma risada comprida e gostosa quando o menino tropeçou e desceu escorregando e rindo pela montanha de areia e a cachorrinha com a metade das patas afundadas, latindo e abanando o rabo. Enxerguei a fumaça que saia da chaminé da cozinha, lá embaixo – Estão preparando o jantar – ela disse – sentíamos o cheiro do rio e da areia misturar-se com o cheiro do mato no vento que soprava nos nossos rostos, não tínhamos nada com que nos preocuparmos, pelo menos por agora.A Kombi detonada do Gordo embaixo de uma figueira, onde alguém tinha armado uma rede. Pensei sobre os lugares que eu havia rodado para chegar até ali. Sobre todas as estórias e etc e conclui que nada tinha sido ruim, e que todos os planos anteriores, mesmo quando deram terrivelmente errado, tinham, afinal de contas, me levado para aquela montanha de areia, e eu estava feliz por isso. Então tudo bem. Foi ai que ouvi a Thaís dar outra risada, era a tia do Serginho que apareceu no terreiro gesticulando para a gente que a janta tava pronta, e o garotinho continuava dando suas cambalhotas malucas na areia.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Momentum (in extremis, in fieri).


Um conto antigo, já. Pra relembrar algumas coisas, em três partes.
***

Momentum (in extremis, in fieri).

Parte I - Introdução

O hospedeiro


Ele: Homem; 26 anos; solteiro; habitante solitário de um apartamento médio na região central de sua cidade; trabalhador bem remunerado.

Ele abriu os olhos e, vagarosamente, a luz que lhe atingia a retina foi tornando possível a identificação das coisas à sua volta. Via o teto de seu quarto e um pedaço do guarda-roupas. Fechou os olhos novamente, pois não queria acordar, era muito cedo. A imagem que se formou na parte interna de suas pálpebras era a mesma velha imagem que, durante toda a sua vida, vinha se estampando naquele lugar. Estava fora de foco e obscurecida pelo tempo ou pelo esquecimento. Podia ser a recordação de algum lugar pelo qual tinha passado há muitos anos ou durante toda a sua vida. A verdade era que ele via aquilo por tão pouco tempo, que não conseguia se lembrar o que era exatamente. Incomodado com isso decidiu não dormir mais. Levantou-se e foi fazer coisas do dia. Tomou café. Assistiu ao jornal da televisão. Sossegado, estava satisfeito com o início de suas férias. Mesmo assim resolveu colocar o trabalho em dia. Desligou a tv e tocou um cd novo que, pro seu espanto, tinha uma música muito familiar. Um Rock suave com elementos eletrônicos e uma batida descompassada mas gostosa. Era algo diferente, como se o compositor não tivesse dado ouvidos a nada mais além do sentimento. Nada de métrica ou harmonia estudadas em demasia. Nada disso, embora fosse algo muito inteligente. O fato era que os componentes sentimentais chamavam mais a atenção do que qualquer outra coisa naquela música. Trabalhou ao som daquele cd e depois descansou. Almoçou e resolveu dar um tempo. Começou a mexer nas suas caixas empoeiradas que ficavam em cima do guarda-roupas e debaixo da cama. Estava procurando pelo seu passado. Poderia passar dias ali, relembrando as coisas que importavam: seus estudos, sua adolescência, seus erros, seus acertos. As namoradas, as poesias, as teorias, as curtições, as culpas, as desculpas, as drogas, o futebol, os amigos, as drogas, a independência de tudo, as drogas... Ele quase se arrependeu de ter se lembrado delas, mas não chegou a isso. O que mais sentiu foi saudade. E deu risada pela falta de vergonha na cara. Pensou no fumo, nas bebidas e nos seus efeitos. Depois fixou seus pensamentos profundamente numa outra droga. Somente ele sabia como ela era, como usar e quais os efeitos. Somente ELE sabia. E, pensando um pouco mais, percebeu que tinha saudade apenas dela. Era algo sublime. Deixava-o num estado de percepção aguçada e estranhamente prazerosa, mas de uma forma diferente de qualquer outra. Suspirou de saudade e ficou com essa idéia na cabeça. Não por muito tempo, é claro. Quando deu por si já tinha revirado metade de suas tralhas em busca da momentaneamente necessária droga. Há anos que ele não usava, mas tinha alguma quantidade em casa. Quando olhou para aquilo em suas mãos, sentiu euforia e medo. Iria usar daquilo como só ele sabia e como nunca antes. Dois, três e mais alguns tragos e o efeito aparece. Fica tonto e percebe que não é a mesma viagem de antigamente. Consciência e equilíbrio em excesso. Precisava de mais. E outros tragos se foram. E ele mais feliz. E mais tonto. E mais trago. Até que viu que tinha alguma coisa errada. Não sabia exatamente o quê. De repente, um pico de consciência trazendo junto uma montanha de tontura e ele cai no chão. Nada! Era exatamente o que ele via e sentia, durante algum tempo indeterminado: horas, meses, anos...?

Continua...

segunda-feira, 17 de março de 2008

.


O desprezo por certas e quantas atitudes dos seres humanos é algo que, neste momento, ao meu ver, não pode ser deixado de lado. O desprezo não pelo ser humano em si, que é lindo, mas pela força de vontade e determinação que ele tem em fugir de sua condição, das características que ele se orgulha em ostentar, mas que não pratica.

A individualidade, a consciência de si, da existência, definha-se a cada dia. Não existe mais o "eu", em troca de outro "eu" produzido, fabricado. O indivíduo, próprio e consciente, não existe mais; se é que algum dia existiu (e aqui surge um pensamento que pode liquidar todo este argumento... a se pensar).

O indivíduo, nestes tempos, existe apenas para reclamar justiça e, muitas vezes, apenas para reclamar somente, seja lá do que for.

Me pergunto: direito? Justiça? Num olhar frio, seco, penso que não passam de meras piadas. Direito a quê? Qual justiça? Ora, bolas! O direito que o gado tem ao pasto? A justiça que produz apenas vítimas?

Nos esquecemos da ordem natural deste mundo. Nos iludimos em regras e promessas que não fazem parte da nossa natureza.

É desprezível o negar-se a si sem saber; aceitar palavras de ordem sem perceber, sem nem sequer ouví-las.

Todos têm seu lugar neste mundo, e isso é confortável demais. Têm seu lugar no mercado de trabalho, ou pensam e acreditam que deveriam ter; têm direito à sua saúde, a não se contaminar; a dizer seus palavrões nos momentos em que dita a raiva, porque estão cansados. E quem dita o cansaço? Têm direito a seus direitos, conquistados com árdua luta, mas que, na verdade, são apenas rédeas. Quem é que enxerga? São rédeas conquistadas com o cumprimento das obrigações aceitas!

E, ainda assim, reclamam. Reclamam de tudo, ridículos humanos, quando deveriam ficar quietos. Como dizem por aí, quem está no fogo tem que arder. Mas não! Gostam de brincar, mas não sabem perder, de jeito nenhum. Isso porque aprenderam assim; que existem os de cima e os de baixo, e os que estão lá são melhores que os daqui. Aprenderam e aprendem assim e nunca se questionam.

São desprezíveis porque o mundo que vivem é (se é assim que gostam de chamá-lo) injusto, e se esquecem disso. E são desprezíveis porque apesar de tudo o aceitam, a este mundo injusto, e ainda reclamam. Reclamam porque acreditam na piada de que devem reclamar, mas nunca pensaram direito sobre isso. Ridículos e desprezíveis porque aceitam e ainda assim reclamam das conseqüências da própria decisão, como o fazem os suicídas.

De qualquer forma, apesar de tudo isso, não há como negar (e talvez esteja aí o maior erro de todos), continuam sendo lindos, humanos.

terça-feira, 11 de março de 2008

O PRESENTE IDEAL

Passavam das oito da noite quando o telefone tocou, era a Bruna do outro lado – Ta sabendo que hoje é aniversário da Mhel? – Não – não tava, mas o quê é que isso tinha? Eu tava em casa fodendo o teclado com os dedos, o Lucio Caolho do meu lado não parava de gritar e agitar aquela garrafa acima da cabeça – Você vai acabar derramando essa merda – avisei – Oi, não, é só o Lucio Caolho que resolveu aparecer por aqui, ta bêbado feito maluco e não para de berrar – Não tem jeito de dar uma despistada nele? – a Bruna definitivamente não ia com a cara do sujeito, se bem que, eu também não topava muito com ele, a nossa amizade era um complô interesseiro, um bêbado solitário e um lunático que só sabia falar asneiras – Não tem jeito. E além do mais ele acabou de me emprestar trinta contos – Trinta contos? – ela perguntou do outro lado como se não estivesse acreditando – Podemos comprar um bolo com essa grana – Merda – pensei e peguei as chaves e peguei o carro e sai puxando o Lucio Caolho pela manga da camisa até o outro lado da rua – Para onde vamos? – ele perguntou, limpando o nariz com as costas da mão – Vamos pra casa de uma amiga – Amiga? Que amiga? Ela é gostosa? – Se é – Solteira? – Solteiríssima – então mudei de assunto, porque conhecendo bem o Lucio Caolho como eu conhecia, tinha certeza de que ele iria ficar naquele papo durante uns dois dias no mínimo. Seguimos por ruazinhas de bairro, com sobradinhos pequenos, Thelonious Monk solava de vez em quando e o maluco no banco do passageiro continuava agitando aquela garrafa como se fosse algum tipo de hélice. As quinze para nove estávamos na porta da casa da Bruna, desci e toquei a campainha, o doido do Lucio foi até a buzina do carro, meteu a mão e ficou segurando, corri até lá e puxei ele pela camisa outra vez – Tira a mão dessa porra – gritei e então ele foi até o meio fio do outro lado e ficou sentado como se fosse um menininho emburrado, pelos meus cálculos ele devia ter no mínimo 55 anos, embora seu comportamento fosse de alguém com cinco ou seis anos, não passava de um idiota e talvez eu não estivesse muito longe disso. A Bruna enfim apareceu – O que foi aquele barulho todo? – referia-se à buzinada do Lucio – Ah, foi aquele aborto – Apontei para o Lucio, que continuava sentado no meio fio, levantou a cabeça num gesto tímido e voltou a abaixa-la entre os braços – Vamos lá Lúcio – A Bruna chamou – e então, depois de algum tempo, entramos os três no carro e seguimos até o centro da cidade onde a Mhel dividia o apartamento com uma velha neurótica colecionadora de plantas. – Vamos comprar um bolo? – a Bruna sugeriu – Acho que a Mhel ficaria mais feliz com um maço de cigarros – Uma torta – o Lucio Caolho gritou do banco traseiro – Pode ser – Podemos fazer como os palhaços fazem – eu disse – Como assim? – A Mhel vai abrir a porta e então tacamos a torta na cara dela – expliquei e o Lucio Caolho pareceu gostar da idéia, deu uma risada maluca como se estivesse rosnando – Ela é gostosa? – perguntou outra vez – Que tal se nós comprássemos laxante e colocássemos no bolo? – a Bruna e suas idéias de última hora – Depois íamos dar uma volta por aquelas ruas com aqueles barzinhos burgueses da Vila Olímpia – Mas se não me engano tem banheiros por lá – eu falei – e seguimos todo o trajeto, quase cruzando a cidade de uma ponta à outra tentando encontrar um presente ideal – Sabe que a idéia da torta não é de todo ruim – a Bruna falou quando eu dobrava a ultima esquina antes que finalmente entrássemos na rua onde a Mhel morava. E lá fomos nós até um supermercado 24 horas a procura da tal torta, deixamos o Lucio Caolho vigiando o carro, para o caso de algum rato gigante tentar ataca-lo – Ratos gigantes não existem, não existem, não existem, não existem – ele começou a gritar e a agitar a garrafa acima da cabeça outra vez, seu nariz escorria até o queixo, prometemos comprar uma outra garrafa de cachaça, de modo que ele se acalmou um pouco, entramos no supermercado, mas não encontramos nem sinal de torta, na falta de coisa melhor, um bolo de hortelã mal acabado, parecia bem apropriado para a ocasião. Voltamos com o bolo e a bebida do Lucio Caolho – Nada de ratos gigantes selvagens? – perguntei – Nadica de nada – respondeu estendendo aquela mão imunda para que eu lhe entregasse a garrafa – Você acha que a Mhel vai gostar do Lucio? – perguntei para a Bruna assim que liguei o motor outra vez – Ta maluco? Nem barba ele tem – Mas gosta de Chico Buarque – e com essa resposta a Bruna ficou pensativa por um tempo e o Lucio tava distraído emborcando seu novo brinquedinho no banco traseiro, viu quando viramos para trás e então chegou bem perto do meu ouvido direito – Ela é gostosa? – perguntou de novo – Já falei que é - Parei o carro bem em frente da entrada principal, a Bruna veio carregando o bolo com as duas mãos, era um bolo dos grandes – Será que conseguimos acertar bem na cara? – ela perguntou, antes que tocássemos a campainha – Sério que você ta afim? – eu não podia acreditar naquilo, era bom demais pra ser verdade – Sério – ela disse e então o Lucio soltou outro berro e uma vizinha abriu a porta e botou a cabeça pra fora, era uma velha – Olá vizinha, somos amigos da Bel e ela é bem gostosa e – puxei o Lucio para o lado – Cala essa boca maldita – nisso escutei um estrondo, alguém tinha acabado de abrir a porta na casa da Mhel e a Bruna jogou o bolo de hortelã na cara dessa pessoa e descobrimos que essa pessoa não era a Mhel, era a velha neurótica que morava com ela, e a velha correu atrás da gente com uma vassoura e o rosto coberto de bolo, saltamos os degraus até o térreo, o Lucio Caolho veio gritando e ao invés de entrarmos no carro, dobramos a esquina e despistamos a velha, devia ser tarde da noite porque a rua tava silenciosa e deserta, na outra extremidade, a luz de um bar semi-iluminado, fomos até lá, a Bruna ria e o Lucio Caolho agitava aquela outra garrafa no ar mais uma vez, pulando de um lado para o outro e dando encontrões em cada poste do caminho, só eu parecia não estar me divertindo muito. O bar no fim da rua era uma podreira, mesmo assim sentamos nuns bancos de madeira que ficavam junto do balcão, pedimos duas cervejas e três copos – Será que a Mhel tava em casa? – perguntei – Ela é gostosa? – Lucio Caolho e a sua fala da noite – Olha a Mhel ali – A Bruna disse apontado para uma mesa no fundo do bar, ao lado do banheiro, tava de costas para a gente conversando com um carinha de barba e cabelo comprido – Vamos atrapalhar? – achei melhor ficarmos por ali mais um pouco, nisso o Lucio tinha saído e parou sentado e emburrado como sempre, escondendo a cabeça entre os braços – Talvez nem seja a Mhel – Pode ser – a Bruna respondeu, antes de virar o primeiro copo num único gole como fazia às vezes quando as coisas não davam lá muito certo. Tanto faz, pode ser como não pode – tava escrito num anúncio de preservativo, perto dos maços de cigarro, no balcão, e ficamos todos nessa a noite inteira.

terça-feira, 4 de março de 2008

NOME AOS BOIS:

Da série: “Somos os títulos dos e-mails que escrevemos”, ou “Como postar alguma coisa quando as idéias simplesmente desaparecem”.

Sandei...
Paisagens lunares
Fridonéia
Logo mais tarde...
Pedido
Intro...
O primeiro e-mail do ano........
Conexão Ibaiti
Boa noite & dia
Com beijos relaxantes...
Tá Tum
Na velocidade certa....
Sobre Realejo Mágico...
Como um pôr-do-sol numa tarde de sábado.....
Com Bobby tocando.........só pra variar
Estilo Salgadinho........
Mergulho brunístico de cabeça nos livros mais loucos do mundo
Monólogo em frente ao computador.....
Bastidores de desfiles de moda.....
Velvet Underground
Pelos corredores da galeria........
Entre um Youtube e outro...
Enquanto a noite cai (absurda)....
Enquanto escrevemos um e-mail.....
Chat Blárgh.....
Dois esquecidos.....
Jazz Cibernético...
Uma cerveja antes....
Mais ou menos como nos filmes.........
Jazz, rush e trash.....
Gênia.
Aluga-se uma casa cheia de sonhos...
Sorte a minha (fogão d´água)
Bom dia!!!
Farmácia caseira.
4u2
Sobre a Lua Artificial e os Baldes Flutuantes...
Latidos & Suspiros
As coisas simples da vida.....
Previsões......
Planos culturais anormais......
Antes da Vila Nova Pedregulho
Como se fossem cerveja
Compra de CD´S
Assim & assado
Money.....
Na estratosfera brunística da vida
Coisas que te aqueçam
Legal pra caraleo
Umas pra usted......
Fotos
Pablito-mail
Com beijos de enroladinho......
Hey.
Beijos e brigadeiros......
The Crytters
Grandes queijos espelhados.....
Coisas boas, simples e honestas......
Bruna Gerundina Veiga
Publicação de livros
Compra-se ânimo......
Louca, longa e linda.....
Sobre Autosugestão (assim mesmo)
No meio é mais gostoso
Pagamento de boleto
Depto pessoal
Burrada realmente burra.....
La listra.....
Pizza de vinho
Férias na Índia
Dia dos malacabados
Antes da imensa bolsa de Bruna Veiga...
Roquenrou...
Nuvens no céu de sol ausente...
Uma carta.
Café de boteco...
Exposição
Caindo de tédio ao cair da tarde........
Poemas de tardezinha.
Legalizando a quinta.
Fotografias para pessoas nem um pouco fotogênicas.
Gélido e-mail....
Hippies & Cyborgues
Texto para Valeska...
Sem assunto???
Sapos também escrevem e-mails (às vezes).
Lindas quartas-feiras frias e nubladas
O primeiro e-mail a gente nunca esquece.....

sábado, 1 de março de 2008

BARRACÃO

Eu olho por inteiro, este teu vácuo profundo.
O teu teto de peneira, todo furado e imundo.
Tua parede de madeira, tão podre e sem jeito.
E me vejo torturada na poça de tua água.
Que marcou o meu peito como um esgoto de mágoa.
E olho pro teu quarto tão velho, em teias,
onde dormi sem sono limpando tuas sujeiras.
Onde sonhei em morrer e sangrar minhas veias.
Onde chorei sem pranto e jurei ao meu santo que veria alegria em todos os teus cantos.
Mas não pude.
Em meio a tanta tristeza que me despedaçava, que me enfurecia
Noite após noite,
dia após dia.
Eu limpava tuas fezes e limpava tua urina.
Sentindo o cheiro de algo que jazia.
E ouvia meus filhos pedindo comida
enquanto tu tiravas minha vida.

Ah! Barracão, barracão!
És tão pobre de corpo, és tão podre de alma
que a minha coberta era a terra de teu chão.
Mesmo com silêncio tentaste me enlouquecer.
Torturaste-me e me fizeste sofrer.
E eu sofri, mas não me entreguei.
E eu sangrei, mas não gritei.
Catei papel, mas não mendiguei.

Ah! Barracão, barracão!
Deus é justo e tu sofrerás também.
E não poderás gritar.
Não poderás chorar.
Morrerás tábua por tábua,
gota por gota.
Então ficarei te olhando, observando a tua morte.
Irei gargalhar e gargalhar.
E debruçada sobre o teu corpo eu chorarei pela última vez.
Não será pelo que me fizeste.
Não será pela minha saudade.
Chorarei sim,
pela tua desgraça.