quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Bombas.


2 - Veja bem, isso não passa de um distúrbio simples. Te recomendo um pouco menos de televisão. Principalmente os noticiários.

1 - Simples distúrbio? Aquilo foi um atentado!

2 - Senhor, nós já passamos por isso há quatro sessões. Já superamos essa fase, não se esqueça!

1 - Doutor! Que fase? As bombas, furtos, roubos, os juros, impostos, meus filhos têm aulas sobre hardwares e segurança pessoal no primário! No primário!!! Corrupção, a água vai acabar, o petróleo vai acabar meu Deus; as contas de casa, quase não dá pra pagar a academia da minha mulher, muito menos planejar alguma coisa boa nas férias de julho...

2 - Você tem férias em julho?

1 - Doutor!!! As enchentes, o clima, o superaquecimento global, a Amazônia vai acabar, está queimando inteira; agora tem até terremoto! Os aviões estão caindo, dólares nas cuecas e na bíblia, a bolsa de valores! É o fim, é o fim, o Apocalipse!

2 - Senhor, também já conversamos sobre as interpretações bíblicas.

1 - Disso eu sei! É só modo de dizer!

2 - Então o que você acha dos cavaleiros negros?

1 - São metáforas, tudo bem!

2 - Tudo bem. O que tanto te pertuba, Senhor?

1 - Tudo isso! Sabe a quanto tempo eu não faço sexo com a minha mulher? Sabe a quanto tempo?

2 - Ainda não conversamos sobre isso.

1 - Três meses e meio! Cento e doze dias, pra ser mais exato. Sabe o que isso faz com alguém?

2 - Sei.

1 - Sabe o que isso faz com alguém como eu?

2 - Isso tudo por conta das bombas?

1 - Doutor, primeiro foram as crianças. Elas nasceram e cresceram... e eu as amo, de verdade! Mas quando isso começou, parece que nós envelhecemos. Eram quatro noites por semana, no mínimo, isso quando a gente tava cansado! Sabe o que é isso?

2 - Não.

1 - Depois que o primeiro nasceu, a coisa toda cessou! Não que eu ache que minha mulher tivesse que estar à disposição a qualquer hora, pelo contrário. Acompanhei e compreendi tudo o que aconteceu. Pelo contrário mesmo! De repente era eu que não tinha mais disposição pra nada! E piorou quando veio a segunda!

2 - Você culpa as crianças por isso?

1 - Por isso não.

2 - Então por que isso te frustra tanto? Por que recorrer ao nascimento dos seus filhos pra explicar isso que você está sentindo.

1 - Não estou explicando... é que agora acontece de novo. Só dei um exemplo.

2 - Então o que te incomoda, pode falar, estamos aqui justamente pra isso, não se esqueça.

1 - Bombas! Destruição, a insegurança! Essa gente pobre se sente no direito de incomodar nossas vidas. Estamos aí, trabalhando, ralando pra cacete e a gente não pode nem almoçar em paz ou tomar uma cerveja, apenas uma cerveja num bar que eles atacam esse terrorismo inconsequente e injustificado pra cima da gente!

2 - O teu problema é com lugares abertos, é isso?

1 - Geralmente acontece ali.

2 - Então, te recomendo, além de deixar de assistir aos noticiários da televisão, que o senhor também pare de frequentar lugares abertos. O senhor tem condições de frequentar lugares que impedem esse tipo de incômodo por parte das gentes pobres, e tomar sua cerveja em paz.

1 - Sim, eu tenho, mas não adianta.

2 - Por que acha que não?

1 - Meus filhos.

2 - Senhor, o senhor disse que o problema não é com eles.

1 - E não é! Mas eles estudam nessa escola moderninha que minha mulher escolheu e me convenceu, e lá, além das aulas de hardware e segurança pessoal eles têm atividades sociais de trabalho em conjunto em bairros pobres da cidade, uma vez por semana.

2 - E o senhor não gosta disso?

1 - É claro que não! O mundo como está e eu tentando me proteger o máximo que posso... Eu mando blindar meu carro pra levar e largar meus filhos nesse lugares miseráveis!? Isso não faz sentido!

2 - O senhor não acha que isso pode ser uma boa experiência para eles?

1 - Claro que seria, se eu estivesse do lado deles pra ensinar as coisas direito, mas eu não tenho tempo, tem esse monte de coisa que tenho que pagar, a natação, a tv grande, os computadores, o outro carro e a blindagem, a sua consulta...

2 - Senhor, mantendo o foco, o senhor não gosta que seus filhos frequentem esses lugares?

1 - Claro que não! Eles têm más influências por lá!

2 - Que tipo de mal influência, o senhor saberia me dizer?

1 - As bombas! As bombas! Já cansei de dizer!!! As bombas!

2 - Veja bem, senhor Senhor, já tem três minutos que esta consulta terminou. Pra fechar gostaria de lembrar-lhe que são apenas crianças, e aquela era uma festa de fim de ano, senhor.

A reflexão cotidiana. Sim, reflete. Disso não há dúvida.

É que às vezes são as palavras que fogem, incrível!

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

LADY GLADIATOR E A LUTA DO SÉCULO - PRIMEIRA PARTE

- Devolvam a minha bílis, seus escrotos – ela falou, com aquele tom gutural característico de quem não estava brincando. E ela de fato falava muito sério, como quem queria de qualquer maneira a sua bílis de volta. Encostou os dois ladrões com roupas de palhaço na parede, segurava-os agora pelo pescoço. Estavam num corredor vazio do hospital bem ao lado da cozinha. Dois policiais passaram correndo, empurrando uma maca com um médico visivelmente emocionado depois de ter assistido o ultimo capitulo da novela, portanto, sem condições mínimas de realizar o parto do Incrível Bebê de Duas Cabeças. Passaram correndo, empurrando aquela maca enferrujada, cujas rodinhas faziam um barulho chato que se espalhava por todo o prédio. A paciente do quarto 172 abriu a porta do quarto e botou a cabeça pra fora: - Parem com esse barulho dos infernos, seus fascistas de merda – bateu a porta com força. Essa era meio doida. Viciada em programas de auditório e com sérios problemas oculares, teve a televisão trocada por um aquário e já faziam dois anos que não notara a diferença.

VOLTEMOS NOSSA ATENÇÃO PARA LADY GLADIATOR E OS DOIS LADRÕES FANTASIADOS DE PALHAÇOS:

- Devolvam a minha bílis, seus escrotos – ela repetia enquanto apertava-os contra a parede. Lady Gladiator era tricampeã intercontinental de vale-tudo-mesmo, uma variação um pouco mais radical do vale-tudo, pois no vale-tudo-mesmo os lutadores podiam portar facas, espadas, machados, martelos, serrotes, armas de fogo e granada. As lutas de Lady Gladiator eram televisionadas pelo canal 8 e quando atingiam (e sempre atingiam) 50 pontos de audiência, então Lady Gladiator parava de lutar, largava sua oponente desfalecida em algum lugar do estúdio, dirigia-se para uma das câmeras que focava o seu rosto e sua fala vendendo um novo tipo de leite ou protetor solar. - Devolvam a minha bílis – ela falou pela nonagésima vez e um dos palhaços vomitou a bílis no corredor do hospital enquanto o outro ajeitava novamente seus fones de ouvido.

A SALA DE PARTOS E A TRASMISSÃO AO VIVO DO NASCIMENTO DO BEBÊ DE DUAS CABEÇAS:

A repórter olhava atentamente para um grupo de médicos e enfermeiros reunidos em volta de uma mesa de cirurgia. Três câmeras do canal 15 posicionavam-se logo atrás deles tentando obter as melhores imagens possíveis – Boa noite – ela disse, assim que as luzes vermelhas se apagaram – Bem vindos ao show. E então uma música introdutória deu inicio ao programa de maior audiência do canal 15. A introdução era feita com colagens de mulheres seminuas de papelão dentro de um lago artificialmente criado num dos estúdios da Amalgama, uma produtora de filmes pornô caseiros, famosa pelos atores incomuns que usava em suas filmagens. Todas as câmeras filmavam os médicos e enfermeiros, vestidos com roupas de diferentes tons verdes. A repórter estava sentada em uma cadeira de rodas, brincava com um feto no instante exato em que uma luz azul acendeu no fundo, pulou de imediato, atirando o feto para longe, a luz azul era um sinal de que o índice de audiência não estava indo muito bem, então as câmeras mudaram de foco, todos as três agora filmavam a repórter que tirou um chicote de dentro da bolsa e segurando-o com a boca, lentamente começou a desabotoar a camisa branca com o logotipo do canal 15.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Das vaidades vadias

Pavo Muerto, de Goya.

Das Vaidades Vadias


o poeta está cansado
da política
da boa vizinhança
do bom-mocismo

de dizer amém
do façamos amor
do não à guerra
do tudo-em-paz

queimem os terços
desfaçam o sorriso falso
e cansado
da foto que não lhes traduz

assumam a angústia
o patético
da crise de meia-idade
dos seus 18, 30, 50 ânus

carreguem como bandeira
a solidão das convicções
abandonadas
em troca de aceitação

tudo cheira mal
perfume francês
avenidas bem-cuidadas
para o inglês ver

tragam os miseráveis
os assassinos às ruas
os viciados e as damas
mais sacanas e risonhas

vamos criar um hino
da doença entre as coxas
do fétido ar de bosta
das vaidades vadias

vamos, otimistas
vomitar aos pés
das árvores centenárias
e morrer cantando

uma canção de desconsolo
de pouco caso
de desumanidade
de medo do medo do medo do medo...

Beijos e abraços prop(h)anos!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Voltei

Depois de meses bancando a auto-didata, estudando que nem asno pra acabar escrevendo as asneiras que fui capaz de escrever no Vestibular, volto pra poesia, pra boemia e pros meus amigos.
Não acho que passarei em nenhum dos vestibulares que prestei, mas pelo menos consegui uma bolsa integral de Radio-TV na Anhembi Morumbi e estou até feliz. As provas dissertativas que fiz na segunda fase da Fuvest, despertaram o meu lado cômico e criativo. Eis algumas pérolas minhas para o vosso deleite:

* Uma exigência pra entrar na União Européia: tem que ser um país europeu.
* O líder do povo de Canudos: Antonio Alejadinho
* Um legado da Idade Média: o iluminismo
* A Coréia do Norte construiu um muro pra se separar da Coréia do Sul.
* A base de Pearl Harbor (que eu achei que era Pearl Harbor, mas era o Hawai no mapa), foi construída pra proteger a costa americana de possíveis ataques dos japoneses, e está localizada na linha Data do pacífico justamente pra ter a vantagem de estar um dia adiantado....

Enfim, meu teste de Q.I. deu negativo.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

?


A vista embaçada. A luz que invade a vida pela janela...?

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

O ESCRITOR E A SUA COLEÇÃO DE CLICHÊS

Havia uma verdadeira procissão deles reunidos na sua frente, pararam todos encarando o escritor como se ele fosse um chimpanzé albino. Estavam amontoados por todo o tapete da sala, alguns subiram escalando as poltronas e agora se aglomeravam também perto dos seus dedos, junto a máquina. Parou por um instante, pouco antes de dar uma ultima espiada pela janela, costumava olhar na direção da estrada e isso muitas vezes servia de inspiração, fosse um carro que aparecia, como se surgisse do nada, por detrás da extensa plantação de milho, voltando a desaparecer na curva, logo depois do muro branco do cemitério, fosse alguma criança vizinha pulando corda ou moleques da cidade pichando cercas e atirando em garrafas e patos. Só que dessa vez não vinha nada, ninguém. A estrada e o campo estavam igualmente desertos e nem sinal de inseto algum que fosse. Olhou outra vez para eles, continuavam a encara-lo como se estivesse preste a contar o final da ultima piada, a ultima linha do ultimo capitulo. Elaborou um rápido plano de fuga, saltando por cima da mesa e pulando pela janela, não morava mais no 4º andar de um prédio, sem riscos de acidentes, portanto. Olhou para suas pernas. Uma coleção daqueles pinos todos que brilhavam no escuro, por dentro da sua pele, e eram pinos de todas as cores, verdes fosforescentes, brancos, amarelos, vermelhos, a ultima palavra em tecnologia estética em Taiwan ou qualquer lugar assim. Desistiu do plano de fuga quando dois clichês de tamanho mediano pularam nas suas costas, escalando sua camisa molhada e desabotoada, até alcançarem seus ombros. Um era uma mulher de salto-alto, mini-saia e cigarro entre os dedos, grossos lábios vermelhos combinando com aqueles olhos chapados de pírulas abortivas e champanhe o outro era um conversível numa alto-estrada seguindo a caminho de uma praia mais ou menos como LA em mil novecentos e trinta e pouco, parecia meio velho e desfocado da paisagem local, mas seguia rápido como se a estrada fosse feita de trilhos – o conversível-locomotiva – pensou – guiado por um detetive qualquer com uma dose de obstinação e uma estória de crimes conjugais aparentemente perfeitos, ele, o detetive, como ela, a mulher de salto-alto, fumavam a mesma marca de cigarro e exceto por duas décadas e meia de diferença entre suas estórias, pareciam não ter grandes diferenças. Um outro se empoleirou na tecla no asterisco, e ficou lá, olhando para ele e rindo, como uma criança besta, se tratava de um moleque chinês percorrendo as ruas infestadas de ratos e figuras cabisbaixas cambaleantes pela Pequim de 57, usava roupas de tons escuros, bem neutros, como se quisesse permanecer escondido no meio da multidão e da fumaça urbana. Pulou de um lado para o outro, com uma fatia de peixe embaixo da camisa e duas batatas em cada uma das mãos enquanto os mercadores corriam na sua captura, munidos de facões gigantescos e reluzentes, embora meio-enferrujados – não vai ser fácil livrar-me desse – pensou o escritor. Apanhou então uma folha em branco e escreveu as primeiras palavras da primeira estória, tratava agora da mulher de salto-alto e mini-saia, parada na saída de um hotel cinco estrelas de alguma cidade mais ou menos paradisíaca e perigosa da costa oeste americana. Não era uma estória difícil – pensou – e no final ela morreria com um tiro de um mafioso local que depois teria o mesmo fim num confronto com dois policiais disfarçados de viciados. Pulou então para a estória seguinte, sem pausa. Só fez pegar outra folha e teve inicio a saga do detetive obstinado percorrendo uma estradinha que ziguezagueava as encostas de um litoral ainda inabitado pelas hordas de moradores sedentos por consumo de qualquer espécie. Antes de terminar a estória foi até a cozinha, encheu um grande copo com água gelada e antes de esvazia-lo olhou para a sala, para aquela multidão de clichês que esperavam pacientemente enquanto ele não vinha. Cada um tinha a sua particularidade, a sua estória para ser contada, conhecia todos de longa data e sabia que não sairiam de lá tão cedo. Escorreu a água pela cabeça e como se estivesse bêbado saiu porta fora respingando água por todo lado, antes de desabar inconsciente no tapete da sala, esmagando milhares de pequenas crianças ainda não muito bem nascidas. E enquanto perdia-se em paisagens lunares e coisas sem muito nexo, um moleque chinês pulou pela janela da sala correndo em direção a estradinha, carregava um estoque considerável de frutas e verduras frescas enroladas na camisa e nem teve o trabalho ou tempo de fechar a geladeira. A única coisa que deixou foi o rastro de uma estória ainda por acabar, enquanto um detetive e uma prostituta faziam uma festa particularmente estranha no quarto ao lado.